SciELO participa da Coalisão global em defesa das licenças Creative Commons de acesso aos artigos científicos

A Associação Internacional STM (acrônimo inglês de Scientific, Technical and Medical Publishers), que reúne os principais publishers privados, lançou recentemente um conjunto de modelos de licenças para artigos científicos que se sobrepõem às estabelecidas pelo Creative Commons. As novas licenças propostas tornam mais complexo o sistema de atribuições de acesso aos artigos e privilegiam a sua comercialização, limitam o acesso, uso, interoperabilidade e exploração dos resultados publicados. No fundo, contrariam o princípio de que o conhecimento científico derivado da pesquisa acadêmica é um bem público da humanidade que deve ser disponibilizado de forma aberta.

O movimento do acesso aberto aos artigos científicos surgiu no final dos anos 90 e se consolidou mundialmente nos anos 2000 como uma forma justa e coerente de disponibilizar resultados de pesquisa online, de forma gratuita e livre da maioria das restrições de copyright e outras licenças. Em paralelo, surge a Organização Creative Commons (CC) em 2001 com o suporte do Center for Public Domain, que lança em 2002 a primeira formalização de licenças sobre direitos autorais.

As licenças CC estabeleceram uma solução de transição entre “todos os direitos reservados” e “alguns direitos reservados”, e por meio de diferentes opções de atribuições de acesso flexibilizam as proteções e promovem a liberdade para autores, publishers, e usuários em geral. Usar uma das licenças CC é a forma mais fácil e usual para os detentores do direito autoral para manifestar seu consentimento ao uso do acesso aberto. Existem seis tipos de licenças Creative Commons (CC) com diferentes graus de flexibilidade. A mais ampla é a CC BY, que permite distribuição, adaptação e modificação de conteúdos, mesmo para fins comerciais, desde que seja atribuído o crédito ao autor original. A mais restrita é a CC BY-NC-ND, que permite apenas fazer download dos trabalhos e compartilhamento, desde que o crédito seja atribuído ao autor, porém não autoriza sua alteração e nem uso para fins comerciais. A missão da iniciativa Creative Commons é “desenvolver, apoiar, e prover infraestrutura legal e técnica para maximizar a criatividade digital, o compartilhamento e inovação”. Em contraposição, as três licenças principais e duas suplementares, propostas pela Associação Internacional STM, propõe graus decrescentes de restrições. A licença padrão autoriza reprodução para fins não comerciais, e restringe o uso derivativo; a licença intermediária autoriza reprodução, text e data mining, e traduções para fins não comerciais; e por fim a licença mais ampla que autoriza reprodução, text e data mining e tradução para fins comerciais e não comerciais. As licenças suplementares têm por finalidade prover proteção para finalidades não comerciais a licenças já existentes, inclusive CC.

Uma coalisão formada por organizações governamentais, representantes da sociedade civil, publishers e diretórios de acesso aberto e provedores de plataformas tecnológicas elaborou uma declaração que contesta os modelos de licença divulgados pela Associação STM. A declaração foi divulgada simultaneamente em vários blogs em 14 de agosto de 2014, entre eles, PLoS open Blog, Creative Commons, Sparc, Association of Research Libraries, Copyright for Creativity, Wellcome Trust, ScienceOpen, e outros. O SciELO é um dos signatários com apoio unânime das coordenações das coleções da Rede SciELO. No caso do SciELO Brasil o Comitê Consultivo reafirmou unanimemente o uso das licenças CC pelos periódicos como condição para a sua indexação.

O texto da carta¹, assinada até o momento por 83 organizações, faz um apelo à Associação STM para que abandone a sua proposta de licenças para artigos de pesquisa publicados em acesso aberto. Estas licenças, de acordo com os signatários, “limitam o uso dos resultados de pesquisa, além de tornar difícil, confuso ou impossível combinar estes resultados com outros recursos públicos e fontes de conhecimento para o benefício da ciência e da sociedade” (tradução livre). Ademais, estas licenças não são compatíveis com nenhuma das licenças CC disponíveis, consideradas pelos signatários como o padrão efetivo da literatura científica, adotado, entre outros, por governos da Europa, Estados Unidos e Austrália. O SciELO foi pioneiro na adoção do acesso aberto em 1998, antes mesmo da consolidação do Movimento de Acesso Aberto, que ocorreu em 2002-2003, e desde 2009² adota as licenças CC para os artigos dos periódicos de suas coleções nacionais e temáticas. Mais uma vez, o SciELO se alinha com as principais organizações mundiais em defesa do acesso aberto e do amplo uso, compartilhamento, armazenamento e interoperabilidade dos resultados de pesquisa.

A principal crítica dos signatários da Coalisão contra as licenças STM refere-se à disponibilidade e interoperabilidade dos resultados de pesquisa. De acordo com post de Timothy Vollmer (2014) no blog Creative Commons, “a chave para um conjunto de licenças abertas são a simplicidade e a interoperatividade”; “[…] nós acreditamos que as novas licenças possam introduzir complexidade desnecessária e atrito, ferindo a comunidade do acesso aberto mais do que ajudando” (tradução livre). A carta afirma que os signatários “compartilham uma visão positiva sobre o fluxo do conhecimento para o bem de todos, o que inclui a adaptação e tradução de conteúdos destinados a diferentes audiências” (tradução livre). A carta ainda considera que “há muito trabalho a fazer, mas as licenças CC já preveem instrumentos legais fáceis de entender, adequados à era digital, legíveis por máquinas e aplicadas de forma consistente em todas as plataformas de conteúdo” (tradução livre). De fato, as licenças CC têm sido utilizadas por publishers em todo o mundo para compartilhar centenas de milhares de artigos científicos que permitem a evolução da ciência a partir do conhecimento prévio.

O texto disponível na página da STM³ tem como subtítulo “Operacionalizando as Licenças de Acesso Aberto” (Making Open Access Licensing Work). O que, especificamente, há de errado nestas licenças? Segundo Vollmer (2014), primeiramente, não está claro a que se destinam as licenças e como o STM recomenda que sejam usadas. Em segundo lugar, nenhuma delas é compatível com a Open Definition⁴, uma vez que todas elas restringem o uso comercial e derivativos, e também ignoram a licença CC mais utilizada e recomendada por publishers na modalidade acesso aberto, CC BY, de acordo com recomendação da Budapest Open Access Initiative. Em terceiro lugar, as notações das licenças e condições do STM causam incerteza no cenário da publicação em acesso aberto, onde os termos CC são familiares e bem aceitos. Em quarto lugar, as licenças STM alegam permitir muitas coisas para as quais não há necessidade de dar permissão, tais como descrever ou estabelecer links para artigos licenciados, e atividades como text e data mining. Finalmente, as licenças STM suplementares, destinadas para uso com licenças existentes só fazem sentido com as licenças CC mais restritas, como a CC-NY-ND, e ainda assim, o efeito seria mínimo, pois a maior parte do efeito legal já está coberto pelas licenças CC. Nas palavras de Vollmer, “não será preciso reinventar a roda” (tradução livre).

A lista de organizações signatárias vem crescendo desde a data da publicação da carta da Coalisão, em 7 de agosto último. Este fato mostra que instituições, publishers, provedores de plataformas tecnológicas e organizações da sociedade civil decidiram se unir em prol de ferramentas legais estabelecidas, consistentes e efetivas que permitam o compartilhamento e reutilização de conteúdos de pesquisa científica.

Notas

¹ Global Coalition of Access to Research, Science and Education Organizations calls on STM to Withdraw New Model Licenses. PLOS. 2014. Available from: http://www.plos.org/global-coalition-of-access-to-research-science-and-education-organizations-calls-on-stm-to-withdraw-new-model-licenses/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_content=full%20letter& utm_campaign=ARL%20Opposes%20STM%20Model%20Licenses

² SciELO adota Creative Commons para atribuição de acesso e uso – http://espacio.bvsalud.org/boletim.php?articleId=10162715200903

³ Open Access Licensing. Making Open Access Licensing Work. International Association of Scientific, Technical & Medical Publishers. Available from: http://www.stm-assoc.org/open-access-licensing/

⁴ Open Definition. Available from: http://opendefinition.org/

Referências

Global Coalition of Access to Research, Science and Education Organizations calls on STM to Withdraw New Model Licenses. PLOS. 2014. Available from: http://www.plos.org/global-coalition-of-access-to-research-science-and-education-organizations-calls-on-stm-to-withdraw-new-model-licenses/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_content=full%20letter& utm_campaign=ARL%20Opposes%20STM%20Model%20Licenses

VOLLMER, T. Dozens of organizations tell STM publishers: No new licenses. Creative Commons Weblog. 2014. Available from: http://creativecommons.org/weblog/entry/43450

Links externos

STM – International Association of Scientific, Technical & Medical Publishers – http://www.stm-assoc.org/

Creative Commons – http://creativecommons.org/

Budapest Open Access Initiative – http://www.budapestopenaccessinitiative.org/boai-10-recommendations

Fonte: SciELO participa da Coalisão global em defesa das licenças Creative Commons de acesso aos artigos científicos. SciELO em Perspectiva. [viewed 02 September 2014]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2014/08/29/scielo-participa-da-coalisao-global-em-defesa-das-licencas-creative-commons-de-acesso-aos-artigos-cientificos/

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