REA: projetos, práticas e políticas internacionais

Pessoas, instituições e governos de vários países têm se motivado a defender a causa REA, que vai da educação básica ao ensino superior e chega ao âmbito das políticas públicas.


Publicado originalmente em ARede Educa • Por Débora Sebriam

Facilitar o acesso ao conhecimento, garantir a liberdade e a criatividade de produção de materiais e recursos didáticos e incentivar práticas de colaboração e compartilhamento. Essas características da Educação Aberta e dos Recursos Educacionais Abertos (REA) têm motivado pessoas, instituições e governos de vários países a defender essa causa, que vai da educação básica ao ensino superior e chega ao âmbito das políticas públicas. Quando falamos de implementação de políticas públicas de REA, a ideia é que o material didático produzido ou comprado pelos governos esteja acessível a toda a sociedade e permita o uso, a distribuição, o remix e o compartilhamento por meio de licenças e formatos mais flexíveis.

Nos Estados Unidos, Hal Plotkin esteve à frente da ousada política de REA do governo Barack Obama. Um dos grandes marcos da atuação de Plotkin foi impulsionar o programa de Livros Didáticos Abertos, livros elaborados e validados pela comunidade acadêmica e colocados livremente à disposição de alunos e da sociedade com licenças abertas do Creative Commons. Com essa iniciativa, milhares de alunos das Faculdades Comunitárias (Community College) passaram a ter acesso a livros que antes não podiam adquirir, devido aos altos preços. Em 2011, foi anunciado um investimento de 2 bilhões de dólares no programa Trade Adjustment Assistance Community College and Career Training Grant Program, o primeiro programa federal para alavancar REA e apoiar o desenvolvimento de uma nova geração de programas educacionais no ensino superior.

No estado da Califórnia, por exemplo, as compras públicas de livros já dão prioridade a recursos abertos. O governo estimou a adoção de materiais abertos no modelo REA das áreas de ciência e matemática para os quase 2 milhões de estudantes do ensino médio (high school), o que vai significar uma economia de 400 milhões de dólares. O estado de Washington decidiu desenvolver e publicar na internet gratuitamente e no formato de REA todo o seu material curricular, por meio do projeto Biblioteca de Cursos Aberta. Movimentos semelhantes estão acontecendo em estados como Utah, Ohio e Flórida.

A experiência que começou no ensino superior também se estendeu à educação básica após os 50 estados dos EUA terem aderido a uma estrutura curricular comum. Recursos Educacionais Abertos são identificados ou criados conforme as necessidades específicas dos professores e alunos. Em geral, cria-se uma lista de livros didáticos indicados, que inclui obras que são REA. Com isso, uma diretora de escola pode se ver diante da seguinte dúvida: “Posso comprar 5 mil desses por 12 dólares cada, ou posso comprar 5 mil desses que estão abertos na internet por talvez 4 dólares cada, ou, ainda, posso decidir imprimir eu mesmo por 2 dólares cada”. E essa decisão é dela, da escola. Com o dinheiro economizado, pode-se pagar mais aos professores, talvez dar mais benefícios, fazer classes menores. Existe também o portal K-12 OER Collaborative, uma iniciativa liderada por um grupo de onze estados estadunidenses, com o objetivo de criar recursos educacionais abertos de alta qualidade para as áreas de matemática e língua inglesa.

A Europa também traz experiências muito interessantes e diversos países iniciam a sua caminhada em prol da causa REA. Na Polônia, foi lançado em 2012 o Programa Digital School, que tem como objetivo aumentar as competências relacionadas às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) nas escolas. Um dos quatro segmentos do programa é o “e-recursos”, que visa a criação de livros didáticos abertos, de uma plataforma nacional REA e a produção de ferramentas tecnológicas para a gestão escolar. Esse é o primeiro programa federal que apoia a criação e a adoção de recursos e livros abertos, tornando possível atualizá-los ano após ano e dando aos professores o poder de usar o conteúdo de formas inovadoras, remixando, adaptando e compartilhando livremente o material.

Em Portugal, único país europeu que também tem a língua portuguesa como idioma oficial, o Ministério da Educação apoia e desenvolve algumas iniciativas para incentivar a educação aberta e o livre compartilhamento de recursos, ainda que alguns apresentem licenças mais restritivas de uso. Destaca-se o GeoRede, o eduScratch e o Banco de Itens. Outra frente importante do país é o movimento de acesso aberto que se fortalece com a parceria entre governo e algumas universidades.

A Romênia anunciou um plano nacional estratégico para ser implementado entre 2013-2016. Esse plano visa a integração de tecnologias ao currículo e a adoção de REA, sendo apoiado pela iniciativa europeia de dados abertos.

O Reino Unido financiou um programa de REA (2009-2013), dirigido pela Joint Information Systems Committee e pela Higher Education Academy. Foram criados projetos-pilotos e lançada uma pesquisa sobre o uso dos REA. Atualmente, a Open University ocupa lugar de destaque rumo à abertura e ao uso de recursos educacionais abertos.

Em 2013, a Comissão Europeia anunciou o programa Open Education Europa (openeducationeuropa.eu), iniciativa voltada a implementar um portal europeu de REA com recursos em diferentes idiomas, que estarão disponíveis a alunos, professores e pesquisadores. O Creative Commons (CC) lançou o European Open Educational Resources Policy Project, uma coligação de especialistas internacionais associados ao CC para fortalecer a implementação de políticas de educação aberta em toda a Europa.

Duas grandes oportunidades para saber mais sobre REA e conversar presencialmente com especialistas da área é participar do Seminário Internacional Recursos Educacionais Abertos, em Brasília, e do Fórum ARede Educa, em São Paulo. Ambos os eventos ocorrem em agosto e são gratuitos. Participe!

*Débora Sebriam é mestre em Engenharia de Mídias para a Educação pela Euromime (Portugal, França e Espanha), é gestora de comunicação do projeto Recursos Educacionais Abertos-Brasil no Instituto Educadigital.

Educação aberta e recursos educacionais abertos na política pública brasileira

Publicado originalmente em Digital Rights CC-BY-SA

Por Priscila Gonsales*

Toda e qualquer forma de educar envolve um processo de comunicação e esse, por sua vez, quase sempre relacionado à disseminação de informações. Porém, o modo como produzimos, consumimos e compartilhamos informação na atual sociedade digital é muito diferente do que era há pouco mais de 20 anos.

Após a revolução industrial, a informação era prioritariamente física, impressa: livros, discos, CDs, apostilas, enciclopédias, dentre outros instrumentos. Com o surgimento da internet, a informação não requer mais materialidade, pode ser transmitida, multiplicada, copiada, distribuída, remixada, enfim, alterada de maneira imediata e ilimitada conforme variados contextos e necessidades específicas.

Se hoje encontrar dados, conteúdos e materiais está ao alcance de um clique, naturalmente a educação deveria se beneficiar desse potencial e passar a usar, criar e compartilhar recursos pedagógicos disponíveis online, aprimorando as habilidades de pesquisa, colaboração e autoria de professores e alunos. Mas, infelizmente essa é uma realidade ainda distante.

Anualmente, uma quantidade imensa de dinheiro público (da ordem de milhões) são gastos pelo governo brasileiro na compra de materiais didáticos impressos e digitais que não são recursos educacionais abertos (REA) e, portanto, têm de acesso restrito, inibindo as possibilidades de reprodução, criação e adaptação por educadores e estudantes.

Por definição oficial divulgada em documento da Unesco/Commonwealth, REA são materiais de ensino, aprendizado e pesquisa, fixados em qualquer suporte ou mídia, preferencialmente em plataformas ou formatos livres (software livre), que estejam sob domínio público ou licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros.

Recursos Educacionais Abertos podem incluir cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, testes, software, e qualquer outra ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o acesso ao conhecimento. Tal definição data de 2011 e foi redigida com ajuda da Comunidade Recursos Educacionais Abertos (REA) do Brasil.

Desde 2008, a Comunidade REA do Brasil, formada por centenas de pessoas das mais diversas áreas do conhecimento, vem organizando eventos, encontros e publicações sobre a importância da educação aberta. Atuando junto à Comunidade REA, o projeto REA.br, coordenado pelo Instituto Educadigital, com apoio da Open Society Foundations faz um trabalho de advocacy para transformar a política pública de acesso a recursos educacionais financiados com orçamento público. Vencedor do Prêmio ARede 2014, o REA.br atua nas esferas legislativa e executiva, além de participar periodicamente de encontros internacionais, como o Congresso Mundial de REA, organizado pela Unesco em 2012.

Alguns resultados desse trabalho de advocacy nos últimos anos:
Plano Nacional de Educação (PNE): duas metas (5 e 7) sobre qualidade na educação básica contemplam o incentivo a REA;
Projeto de Lei Federal 1513/2011: visa garantir que as compras públicas ou contratação de serviços e materiais educacionais sejam regidas por meio de licenças livres, permitindo a difusão e a ampliação do acesso a esses bens por toda a sociedade;
Projetos de Lei Estadual em SP (989/2011): aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa de São Paulo, mas vetada pelo governador Alckmin;
Projetos de Lei Estadual do PR (185/2014) e do DF (1832/2014) em tramitação;
Decreto municipal em São Paulo (52.681/ 2011), que dispõe sobre o licenciamento obrigatório das obras intelectuais produzidas ou subsidiadas com objetivos educacionais, pedagógicos e afins.

Em novembro de 2014, na capital estadunidense de Washington, durante a OpenEd – o maior congresso mundial de educação aberta – o Instituto Educadigital e outras organizações de vários países participaram de uma atividade de advocacy de REA diretamente com políticos e assessores técnicos na Casa Branca. O objetivo era destacar os benefícios da atual política pública do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em relação a REA, para que seja mantida e ampliada aos demais níveis de ensino. Além disso, o grupo ressaltou a importância de essa experiência ser compartilhada com governos de outros países por meio de congressos e seminários.

A partir dessa vivência, o Instituto Educadigital conseguiu articular com as comissões de educação e cultura da Câmara dos Deputados, em Brasília, para organizar um seminário sobre o tema, trazendo convidados internacionais para compartilhar suas experiências em política pública de REA. Vai ser no dia 19 de agosto, em Brasília, e dia 20 de agosto, em São Paulo, organizado em parceria com a ARede.educa.

Para saber mais sobre iniciativas brasileiras e internacionais sobre REA, consulte o site: www.rea.net.br.

*Priscila Gonsales é educadora e jornalista, empreendedora social Ashoka, fundadora do Instituto Educadigital, que desenvolve iniciativas e projetos de educação aberta na cultura digital.
prigon@educadigital.org.br

Imagem destaque: (CC BY-SA) OpenSource.com