Professora de inglês língua estrangeira no Lycée Pasteur (escola franco-brasileira em São Paulo), bastante envolvida em novas mídias e cultura digital.
Entrevista dada por email para Marcella Chartier no dia 23/02/2011.
Quando e como descobriu REA? Que experiências/projetos/ideias desenvolveu?
Comecei a usar a Web e a me envolver em projetos colaborativos internacionais em 1997. Naquela época, muitos dos professores participantes que estavam online já trocavam ideias, se ajudavam e criavam material para uso próprio que colocavam abertamente na Web, sem necessariamente saber ou pensar de que isso poderia ser REA e sem ter, muitas vezes, uma consciência clara de licenças autorais. Havia uma efervescência e um dinamismo muito motivantes.
Poder ter acesso, discutir opções e possibilidades, criar, remixar e compartilhar foi para mim o equivalente a um desenvolvimento profissional continuado autônomo, dentro do qual eu colocava pequenos desafios a serem resolvidos. De uma perspectiva mais fechada e restritiva, caminhei para uma mais abrangente, aberta e flexível.
Em 1999, criei um website para ter acesso rápido aos links interessantes, complementar minhas aulas no Lycée Pasteur e dar a possibilidade aos alunos e pais de ter acesso ao material e textos em casa. Também queria compartilhar e discutir o material produzido online com outros professores de língua estrangeira com os quais eu estava em contato. Dei uma entrevista sobre isso para o Lingua Estrangeira em Junho de 2003.
Meu primeiro contato com direitos autorais e o conceito de aberto/fechado, livre/proprietário foi em torno de 1999-2000, quando um conhecido portal educativo brasileiro publicou o conteúdo de meu site com todos os pontos e vírgulas. Não somente o fechou atrás de uma senha e através de frames, como ainda cobrou das escolas o acesso a ele (soube através de uma amiga que me mandou o screenshot).
Foi quando decidi colocar o copyright explícito na parte de baixo da página inicial e o meu nome e o da escola na lateral em todas as páginas. Esse era afinal, MEU conteúdo, e eu tinha investido dinheiro nas ferramentas de criação do site e em sua manutenção, bem como tempo e criatividade. Não achava justo que outros fechassem aquele conteúdo e tivessem lucro em cima de algo de que não haviam participado, não lhes pertencia, e sem nem pedir permissão ou dar créditos. Na época, as licenças Creative Commons não existiam.
A segunda experiência foi em 2001 quando, procurando material sobre media e branding para um curso que estava preparando, encontrei:
a) material totalmente livre e aberto: o video viral produzido por Jason Diceman sobre o livro No Logo de Naomi Klein;
b) material semi-aberto (um artigo da BBC sobre Naomi Klein: Know logo);
c) material totalmente fechado (o artigo do Economist Pro-Logo).
Em cima do material de Naomi, tive a liberdade de construir exercícios de compreensão oral e escrita (que foram mais tarde revisados e transportados para meu próprio domínio, já que o English Dept estava no Tripod e a versão grátis embaralhava o java script do Hot Potatoes.
O material da BBC está semi-aberto, já que pode ser lido e acessado na Web. No entanto, como está sob copyright, não pode ser incorporado em atividades, redistribuído ou remixado. Os links continuam válidos para esse artigo especificamente, mas muitas vezes os artigos são retirados após um tempo ou colocados em outros arquivos, o que dificulta sua recuperação posterior, caso queiramos fazer uso deles.
O texto do Economist, por sua vez, está com acesso online totalmente fechado, já que para lê-lo é preciso ter a assinatura da revista impressa. Consegui copiar o artigo da edição impressa e colocá-lo online (dando crédito à fonte) para que meus alunos pudessem lê-lo. Estou ciente de que não é um procedimento 100% legal e espero que possa se encaixar em uso justo para fins educacionais.
Em Setembro de 2001, quis usar um artigo do Times para um exercício de compreensão e gramática. Escrevi pedindo permissão e a primeira resposta foi que deveria pagar $1500 para usá-lo uma vez. Argumentei que não era para fins comerciais e que estava produzindo valor agregado e publicidade para eles sem receber nada em troca. Foi-me concedida uma licença de uso específico desde que a mencionasse no site. Logo, embora esse recurso possa ser acessado por link e usado tal qual, não pode ser remixado ou redistribuído por outros.
Em Janeiro de 2002, após um curso no Senac com dois outros colegas, criei a webquest Navegar é Preciso. Embora não tenhamos usado uma licença específica, a intenção sempre foi de compartilhar o recurso online para que outros professores pudessem usá-lo com os alunos. Não faria sentido se não fosse assim. A metodologia e os templates de Bernie Dodge já eram abertos e disponibilizados em seu site. Assim, criar um recurso aberto em cima deles nos parecia totalmente natural. A webquest recebeu 5 estrelas na avaliação de Merlot (Multimedia Educational Resource for Learning and Online Teaching). Foi gratificante saber que o que havíamos criado tinha qualidade e tinha sido incluído entre os recursos do repositório.
Em 2003, criei uma outra webquest para complementar minhas aulas e contribuir para o projeto Viv@ na França. Como estava a par das novas licenças, usei pela primeira vez uma Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike (CC BY NC SA 1.0 Generic).
A licença permite que outros copiem, distribuam, transmitam e criem obras derivadas, desde que as compartilhem pela mesma licença, dêem crédito ao autor e não as usem para fins comerciais. Embora conte com mais permissões de uso que o copyright, essa é uma das licenças CC mais restritivas.
Em Janeiro de 2005, já na onda Web 2.0, dei um passo mais longe quando co-planejei, co-organizei e co-moderei um curso grátis e aberto na Web sobre blogs e wikis que reuniu mais de 200 participantes de todo o mundo. Foi usada a mesma licença Creative Commons na versão 2.0 (CC BY NC SA 2.0)
Logo após o curso, colaborei no planejamento e na criação do Dekita, um blog que encoraja e defende o acesso, as práticas, a produção e o uso aberto da Web como plataforma na aprendizagem do inglês língua estrangeira. Está também sob licença aberta Attribution-NonCommercial 2.0 Generic (CC BY-NC 2.0), que não exige o uso da mesma licença (SA).
Em 2007 e 2008 co-moderei mais dois cursos totalmente abertos online, desta vez sobre mídia participatória no ensino de inglês: Webpublishing in Open and Participatory Environments (CC BY NC 2.5) e Social Media in ELT Attribution 3.0 Unported (CC BY 3.0).
Todo o percurso acima exposto é fruto de uma opção e trabalho pessoal e colaborativo entre educadores que não foi imposto, nem financiado ou sob a égide de uma instituição educacional, governamental ou corporativa.
Atualmente, da mesma forma, contribuo para o REA, experimento como é ser aprendiz em cursos abertos (MOOCs), contribuo modestamente para o NMC (Horizon Report), Wikieducator, Wikipedia (em inglês e português) e Wikimedia Commons, todos com licença CC BY SA ou CC BY. Tenho também feito algumas legendagens e traduções abertas no Universal Subtitles.
Pra você, o que é REA?
Os REA em si nada mais são do que um produto que será usado, criado e remixado de acordo com os diferentes olhares e necessidades. Como educadora, o que me interessa mais é que os REA nos dão a oportunidade de optar por um processo cujo foco é a aprendizagem, a criação, a partilha e a remixagem abertos – e não a propriedade fechada, a compra e o consumo.
Um recurso aberto é também a possibilidade de buscar, brincar, indagar, desafiar, modificar, tecer, quebrar, corrigir, e poder também compartilhar, constatar, discutir e refletir sobre o que coletamos, criamos ou produzimos com outros para que mais possam fazer o mesmo e aprendam, criem, remixem, re-construam e melhorem o ciclo.
Esse movimento é a praxis do processo educativo do qual ultimamente temos sido afastados e alienados quando somos forçados a permanecer dentro de sistemas fechados, a seguir cartilhas pré-fabricadas ou a participar de linhas de montagem.
O que espera como próximos passos dos REA no Brasil?
Temos várias frentes de trabalho. Pessoas ativas e interessadas em cada uma delas precisam discutir as prioridades individuais e coletivas, como e quando agir dentro de seu respectivo campo, documentar e trazer suas perspectivas, planos e ações para dentro da comunidade, para que outros possam aprender, adaptá-las aos seus contextos e praticá-las. Isso já está acontecendo de uma certa forma na lista de discussão e no blog REA. Há, no entanto, muito por fazer.
No âmbito público, os obstáculos residem principalmente na organização, na coordenação, na vontade política e no financiamento. Há uma escassez de recursos abertos em português que possam ser usados como base para remix e para a criação de novos. Muitos projetos começam e são abandonados, retirados do circuito quando o financiamento acaba. É preciso:
• Aplainar (ou remover) barreiras (jurídicas, sociais e culturais) por meio da conscientização e da construção de uma base de apoio e ação com diferentes parceiros que possam levar os projetos adiante a longo prazo;
• Dar exemplos e criar incentivos para estimular o uso e a produção desses recursos de uma forma contínua e persistente dentro de uma cultura de transparência, abertura e partilha;
• Encorajar parcerias entre o público e o privado para compartilhar o know-how e os recursos das duas áreas, e financiar projetos abertos de qualidade que permitam, em diversas formas e graus, o mais amplo acesso de todos ao conhecimento e às práticas.
O que diria para educadores que desejam começar a trabalhar por e com REA?
Acredito que o acesso ao conhecimento e à pesquisa não deve ser negado a ninguém, nem restrito àqueles que podem pagar. O que posso dizer é que busquem se informar, observar seu entorno em sua complexidade e como ele se insere dentro de um mundo maior. Comecem com pequenos desafios, ideias e contribuições. Juntem-se a uma comunidade de prática, coletem, partilhem e publiquem abertamente seus links, seu conteúdo, o resultado de seu trabalho, o de seus alunos e da comunidade a quem pertencem, bem como a reflexão sobre o processo e novas propostas de ação.