Projeto Educação Vigiada amplia mapeamento e abrange redes municipais de ensino

Novo levantamento mostra que 1/3 das secretarias de educação de cidades com mais de 500 mil habitantes expoẽm dados pessoais de crianças e adolescentes ao capitalismo de vigilância

Levantamento inédito do projeto Educação Vigiada mostra que 15 das 51 redes municipais de ensino de cidades com mais de 500 mil habitantes estão expondo seus estudantes — crianças e adolescentes — ao chamado “capitalismo de vigilância”, ou seja, adotam serviços e plataformas de grandes empresas de tecnologia cujo modelo de negócio é baseado na ampla extração de dados. 

Cunhado pela pesquisadora e professora da Universidade de Harvard, Shoshana Zuboff, em seu livro The Age of Surveillance Capitalism (A Era do Capitalismo de Vigilância), o termo vem sendo aplicado às BigTechs como Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft, conhecidas pelo acrônimo GAFAM.  “Esse novo levantamento deve causar um alerta, pois as redes municipais atendem alunos da educação infantil e do ensino fundamental, o que demanda atenção especial à privacidade de dados de crianças e adolescentes”, ressalta o professor Leonardo Cruz, responsável pelo novo levantamento. 

Com a crescente e contínua digitalização da vida cotidiana por meio de programas de computador, aplicativos de celular, sites e redes sociais, grande parte das atividades humanas são agora mediadas por algum dispositivos computacional. Tais dispositivos são capazes de coletar desde dados a partir do que compartilhamos (fotos, vídeos, mensagens, etc.) bem como metadados, ou seja, dados que compartilhamos indiretamente — sites que visitamos, geolocalização, cliques, curtidas, comportamento on-line etc. A partir desses dados, algoritmos de Inteligência Artificial vão sendo treinados para criar perfis, predizer comportamentos, definir o que vemos e até para nos servir propaganda.

O Educação Vigiada é um projeto de divulgação científica da Iniciativa Educação Aberta, com base em uma pesquisa que vem sendo realizada desde 2018 por um grupo de pesquisadores da UnB e da UFPA, sobre a crescente presença de grandes empresas como a Google e Microsoft no cenário da educação pública brasileira. Lançado em março de 2020, revelou que 75% das instituições públicas de ensino superior e secretarias estaduais de educação estão expostas ao “capitalismo de vigilância” ao aderirem a termos e condições de serviços robustos de empresas privadas, desde contas de email a ferramentas de uso remoto. O novo mapeamento apresentado em novembro de 2020 alcançou também as redes municipais de educação e igualmente visa chamar a atenção dos gestores da educação para o problema da privacidade, vigilância e segurança de dados, agora destacando que os envolvidos são crianças e adolescentes.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, em vigor desde 18 de setembro de 2020, traz em seu Artigo 14 o destaque para a prioridade absoluta de crianças e adolescentes, reforçando o que já estava previsto em outros arcabouços jurídicos, tais como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por ofertarem serviços de maneira “gratuita” para as redes públicas, gestores e departamentos jurídicos das redes educacionais não exigem transparência em relação ao tratamento de dados.  Tratamento esse que que pode incluir mineração desde informações sensíveis até dados relacionados a atuação e desempenho pedagógicos, processamento de material didático e científico, dentro outros. Gestores simplesmente dão aceite a termos de uso e políticas de privacidade elaborados somente pelas empresas. Relatório da Iniciativa Educação Aberta e do Instituto Alana analisou os termos de uso de serviços voltados para área educacional das empresas Google e Microsoft  e apontou diversas dúvidas sobre como e quais dados são coletados e tratados, e de quem é a responsabilidade sobre a privacidade dos dados dos usuários.

O projeto Educação Vigiada faz parte da Iniciativa Educação Aberta (parceria entre a Cátedra UNESCO de Educação a Distância (UnB) e o Instituto EducaDigital) em parceria com o Laboratório Amazônico de Estudos Sociotécnicos e o Centro de Competência em Software Livre — ambos da UFPA.

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