Livros da FDE viram papel picado

Fundação para o Desenvolvimento da Educação picou toneladas de apostilas que estavam estocadas em galpões


Publicado no  Diário de São Paulo

A FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), ligada à Secretaria Estadual da Educação e dona de um  orçamento de R$ 3,2 bilhões por ano, destruiu toneladas de apostilas novas, conhecidas como caderno do aluno. O material seria destinado a estudantes do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio.

Os livros, estocados em três galpões alugados pela fundação em Louveira, no interior, e em Jandira, na Grande São Paulo, teriam sido comprados em excesso. O DIÁRIO teve acesso a fotos que mostram a estocagem dos kits em galpões lotados, um caminhão sendo carregado com o material escolar e seguindo, escoltado por uma viatura oficial, até a empresa de aparas de papel Scrap, onde foi transformado em sucata para reciclagem.

O descarte ocorreu entre 2 e 13 de maio do ano passado. Os galpões foram alugados das empresas TCI Logística e Tzar Transportes. Na época, inúmeras denúncias de descarte de lotes de livros didáticos – novos e sem queixa de roubo – pipocaram em diversos pontos do estado, mas a polícia nada comprovou.

O presidente da fundação é o ex-prefeito de Taubaté, José Bernardo Ortiz, que responde a  processos por improbidade administrativa. Recentemente ele foi condenado em um deles. Ortiz assumiu o cargo em janeiro de 2011. Em nota, a FDE afirma que se trata de material inservível, devolvido por alunos após o uso. Ainda segundo a nota, os cadernos estavam ocupando espaço nas escolas. “Todo material é recolhido pela FDE e encaminhado para triagem, na qual são separados os cadernos que podem ser reaproveitados e os que devem ser enviados para reciclagem. Nos galpões ficam apenas os cadernos usados”, diz.

Os kits caderno do aluno são impressos a cada bimestre e entregues nas escolas. A quantidade, segundo a fundação, é definida de acordo com o número de alunos matriculados na rede e inclui reserva de 1% destinada às diretorias regionais de ensino. A FDE afirma que, caso sobrem,  os exemplares novos são descontados da compra posterior. A fundação, porém, não explica como em 2011 adquiriu 4 milhões de exemplares a mais do que em 2010.

A FDE afirma que a destinação do material escolar se dá em forma de compensação. “A FDE não recebe nada pelo material, mas também não paga nada à empresa pela destinação.” No entanto, não apresenta planilha comprovando a compensação e admite que, para ela, é oneroso manter cadernos estocados. Pessoas ligadas à FDE  dizem que só pelo primeiro descarte a Scrap teria pago R$ 45 mil a um de seus representantes.

Um decreto de maio de 1987, assinado pelo então governador Orestes Quércia, diz que todo material inservível do Estado será encaminhado para o Fundo de Solidariedade Social, mas a FDE afirma que o custo com o transporte e processamento seria maior do que o lucro do fundo, apesar de não ter consultado o órgão, segundo a denúncia.

Apeoesp quer que Ministério Público apure a denúncia
A presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), Maria Isabel Azevedo Noronha, diz que sempre ouviu falar em desperdício, mas nunca ninguém comprovou.  “O material é de 2010, ano eleitoral e, com certeza, foi comprado para agradar editoras.”

Para a sindicalista, a denúncia só comprova, mais um vez, que dinheiro para melhorar a educação existe, mas é mal administrado. “Malversação de dinheiro público é coisa grave. O Ministério Público tem de investigar isso”, comenta.

Segundo a FDE, a perda com material escolar é inferior a 0,4% e engloba possíveis extravios no transporte ou no armazenamento.

Apostilas excedentes podem ser utilizadas normalmente no ano seguinte, já que o conteúdo é o mesmo. Já o material usado pertence ao aluno, que deve ser orientado a guardá-lo em casa.

Descartes de livros da FDE revolta deputados

O presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, deputado Simão Pedro, considerou absurda a denúncia de que a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) destruiu toneladas de apostilas de apoio educacional, chamadas caderno do aluno, que estavam estocadas em galpões alugados.

“Isso é um absurdo, merece todo o nosso repúdio e o fato exige uma apuração rigorosa tanto da Assembleia Legislativa, quanto do Tribunal de Contas e do  próprio Executivo”, afirma o parlamentar.

“Estou tentando há meses convocar o presidente da FDE (José Bernardo Ortiz) para responder a outras denúncias contra a fundação, mas os partidos que dão sustentação ao governo Geraldo Alckmin impedem a aprovação da vinda dessa figura controvertida”, comenta.

O deputado Carlos Giannazi, também integrante da Comissão de Educação da Assembleia, afirma ter em mãos inúmeras denúncias de irregularidades contra a FDE. Ele já protocolou pedido de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), mas não consegue colocar a medida em votação no plenário. “Faz tempo que tento instaurar essa CPI, porém o pedido continua na fila de espera”, lamenta.

Para pedir a instalação de uma CPI é preciso a assinatura de, no mínimo, 32 deputados, apoios  que Giannazi não tem.

Com base nas denúncias do DIÁRIO, o deputado encaminhou requerimento à Comissão de Fiscalização e Controle da Casa pedindo a convocação de Ortiz para dar explicações.

O lider da bancada do PT na Assembleia, deputado Alencar Santana, afirma que, na segunda quinzena de junho, já havia protocolado representação no Ministério Público para apuração de “possível ilegalidade  e improbidade na conduta de Ortiz  sobre a destruição de apostilas compradas em quantidade acima da necessária”.

A Promotoria do Patrimônio Público também está analisando as denúncias do DIÁRIO para  uma possível abertura de ação civil pública.

Fundação reafirma que material era ‘inservível’
Em nota, a FDE reafirmou nesta quinta que as apostilas descartadas não eram novas,  todo o processo foi auditado e as fotos publicadas fazem parte desse relatório. “Manter exemplares inservíveis no galpão da FDE até acumular quantidade suficiente para obtenção de lucro com a reciclagem do papel seria oneroso aos cofres públicos. O montante descartado no ano passado, por exemplo, representaria um gasto mensal de cerca de R$ 12 mil. Por isso, todo material que não pode ser reaproveitado é encaminhado para reciclagem. A empresa de reaproveitamento retira esses cadernos usados do galpão e os transporta até o endereço de processamento, sem ônus algum para o governo do Estado. Cabe acrescentar que a FDE possui a planilha detalhada comprovando a referida compensação.”

Projeto propõe resumo de aulas na intranet
O deputado estadual Simão Pedro (PT) apresentou na Assembleia Legislativa projeto de lei propondo a implantação de um programa com ilha de produção de conteúdos educacionais produzidos a partir de experiências de alunos e professores em salas de aula para disponiblizar na intranet. “Sou a favor da modernização do processo pedagógico com a utilização de recursos educacionais abertos”.

Obras disponíveis na web para uso público
Outro projeto de Simão Pedro sugere que, ao comprar uma obra ou pagar para ela ser produzida, o Estado exija que seja também disponibilizada para uso público, permitindo ainda sua reprodução ou adaptação à realidade de quem as usa, por meio de licenças públicas.

Fonte:

Livros escolares viram papéis picados (19/07/1012)

Descartes de livros da FDE revolta deputados (20/07/1012)

Crédito de imagem (home):  

Jeff Belmonte – http://flic.kr/p/JVu7

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