Lamentamos comunicar que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vetou em sua totalidade o PL 989/2011, por vício de iniciativa em função de conflito entre as competências privativas do Poder Executivo e do Poder Legislativo no Estado de São Paulo. O PL 989/2011, aprovado em todas as comissões da ALESP, tem por objetivo instituir política pública de disponibilização de Recursos Educacionais subsidiados ou desenvolvidos pela administração direta e indireta estadual com recursos públicos. Alckmin afirmou em seu parecer que regular tal tópico constitui matéria de competência privativa do Governador. Alckmin, inclusive citou decretos baixados pelo Poder Executivo no Estado de São Paulo, como exemplos de políticas que estabelecem a regulamentação da sociedade da informação e dando ao Executivo o poder de regulamentar o acesso e a promoção de Tecnologias da Informação e Comunicação na região.
Entretanto, a alegação de competência privativa é questionável. Segundo o §2º, do artigo 24 da Constituição do Estado, que estabelece tal poder:
“Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
1 – criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;
2 – criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX; (NR)
3 – organização da Procuradoria Geral do Estado e da Defensoria Pública do Estado, observadas as normas gerais da União;
4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (NR)
5 – militares, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para inatividade, bem como fixação ou alteração do efetivo da Polícia Militar; (NR)
6 – criação, alteração ou supressão de cartórios notariais e de registros públicos.”
O veto também menciona exemplos de esforços que estão sendo liderados pelo Governo, que entretanto, não são, em sua maioria, REA. Menciona por exemplo, a criação da UNIVESP (Fundação Universidade Virtual do Estado de São Paulo, instituída pela Lei Estadual 14836/2012) que tem por objetivo o aumento de vagas ofertadas. Para a consecução dos objetivos da UNIVESP, além das três universidades paulistas – USP, Unicamp e Unesp – conta-se com o Centro Estadual de Ensino Tecnológico Paula Souza (CEETEPS) e a Fundação Padre Anchieta (FPA) como instituições parceiras. Vale lembrar que nenhuma dessas instituições possui política clara de licenciamento aberto dos recursos educacionais desenvolvidos com recursos públicos do Estado de São Paulo, cuja origem são os impostos pagos pela sociedade. O texto também menciona a criação de plataformas para gestão de recursos educacionais, como o Portal do Pesquisador e o SciELO.
Entre todas as iniciativas citadas, o ScIELO, que tem a sua origem em um programa da Organização Mundial da Saúde (OMS), é a única iniciativa mencionada que promove o acesso a recursos educacionais livres, como e-books e artigos científicos licenciados por Creative Commons. Essa adoção pelo ScIELO de uma política de acesso aberto e de recursos educacionais abertos não se deve a uma política do Estado de São Paulo, mas da liderança de seus diretores e equipe que, desde 2006, optaram por uma política institucional de licenças livres. O ScIELO, que até pouco era somente financiado pela BIREME – parte da OMS – conta hoje com financiamento e apoio da FAPESP, BIREME e CNPq.
O veto, cujo inteiro teor pode ser lido abaixo, tem uma visão equivocada de Recursos Educacionais Abertos e da proposta do Projeto de Lei. Alckmin escreve “…no que toca ao objeto da proposta legislativa, resulta evidente que está compreendido no âmbito das atividades ordinárias do Poder Executivo pertinentes ao uso da informática e da Internet”. Uma política pública para recursos educacionais abertos não está inserida somente no uso da informática e da Internet, mas sim, em uma problemática mais ampla de uso de recursos públicos para desenvolvimento de recursos educacionais e o amplo acesso social a estes. A questão de uso da informática e da Internet é sem dúvida parte do debate sobre REA, mas é somente um dos seus elementos. A informática e a Internet são ferramentas potencializadoras do acesso ao conhecimento, mas a liberdade de utilizar os recursos educacionais pagos com dinheiro público proveniente dos impostos é uma discussão que deve ser vista de maneira mais ampla, e que, também, implica o repensar das liberdades que são essenciais a inclusão educacional na sociedade da informação. Somente o direito gratuito de leitura, única possibilidade legal dada aos usuários da maioria dos projetos citados pelo Governador, não é suficiente. O direito à cópia e ao remix (ou seja, o direito de produção de obras derivadas e de adaptações) são essenciais, e devem estar claros à população, por meio de políticas públicas e institucionais.
Na justificativa do Projeto de Lei aprovado pela ALESP: “o Direito Fundamental à educação (Art. 6º, CF) só pode ser plenamente pensado pelo Estado se este, num esforço contínuo, der a oportunidade a todos de acesso a toda forma moderna e inclusiva de educação. Trata-se também de favorecer outro Direito Fundamental, que é o da igualdade (Art. 5º, CF). Modernamente está sendo incentivada uma forma de disponibilização de Recursos Educacionais, para que os mesmos possam ser adaptados/melhorados à realidade de quem os usa. É uma colaboração coletiva a um material já existente, resultando em outras formas de mídia, adaptações colaborativas do texto, além, de avanços muito mais céleres em pesquisas do interesse de todos.” O texto, ainda aponta para algo arraigado no debate sobre REA no mundo ao mencionar: “A filosofia dos recursos educacionais abertos (REAs) coloca os materiais educacionais na posição de bens comuns e públicos de que todos podem e devem se beneficiar, especialmente aqueles que recebem apoio mínimo do sistema educacional atual, como adultos e pessoas portadoras de deficiência. Essa visão é apoiada pela noção que considera o próprio conhecimento como um produto social coletivo que deve estar acessível a todos.”
Acreditamos que Geraldo Alckmin está equivocado ao dizer que regular tal questão esteja somente em suas mãos. E em razão disso, aguardamos a manifestação da ALESP nos termos do Artigo 28 da Constituição Estadual de São Paulo¹.
Mas se de fato, nosso governador acredita nisso, o convidamos a propor Decreto específico que regule a questão no âmbito do estado de São Paulo, seguindo o exemplo de Decreto no município de São Paulo – iniciativa louvada internacionalmente. Uma iniciativa do governador Geraldo Alckmin nesse sentido recebe suporte constitucional, visto artigo 47, XIX, “a”. Nossa pergunta ao Governador agora é somente uma: quando o executivo pretende propor um Decreto? Nossa oferta é também uma: o senhor pode contar com a comunidade REA no Brasil e no exterior para ajudar nessa caminhada.
¹Artigo 28 – Aprovado o projeto de lei, na forma regimental, será ele enviado ao Governador que, aquiescendo, o sancionará e promulgará.
§1º – Se o Governador julgar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, veta-lo-á, total ou parcialmente, dentro de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, comunicando, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente da Assembléia Legislativa, o motivo do veto.
§2º – O veto parcial deverá abranger, por inteiro, o artigo, o parágrafo, o inciso, o item ou alínea.
§3º – Sendo negada a sanção, as razões do veto serão comunicadas ao Presidente da Assembléia Legislativa e publicadas se em época de recesso parlamentar.
§4º – Decorrido o prazo, em silêncio, considerar-se-á sancionado o projeto, sendo obrigatória a sua promulgação pelo Presidente da Assembléia Legislativa no prazo de dez dias.
§5º – A Assembléia Legislativa deliberará sobre a matéria vetada, em único turno de discussão e votação, no prazo de trinta dias de seu recebimento, considerando-se aprovada quando obtiver o voto favorável da maioria absoluta dos seus membros.
§6º – Esgotado, sem deliberação, o prazo estabelecido no §5º, o veto será incluído na ordem do dia da sessão imediata, até sua votação final. (NR)
§ 7º – Se o veto for rejeitado, será o projeto enviado para promulgação, ao Governador.
§ 8º – Se, na hipótese do § 7º, a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Governador, o Presidente da Assembléia Legislativa promulgará e, se este não o fizer, em igual prazo, caberá ao Primeiro Vice-Presidente fazê-lo.
Opinião da Comunidade REA
Carolina Rossini – advogada especialista em propriedade intelectual e uma das fundadoras do projeto REA Brasil
“O veto é questionável juridicamente e demonstra uma visão míope do objetivo dos Recursos Educacionais Abertos. Os exemplos apontados pelo Governador em seu parecer demonstram isso claramente. De qualquer forma, essa é somente uma batalha que perdemos – batalha já enfrentada por comunidades mais antigas como a do software livre. Continuaremos a nossa luta no Brasil pela conscientização sobre REA e por políticas claras que determinem que o dinheiro público promova o acesso público e aberto aos recursos educacionais.”
Priscila Gonsales – diretora executiva do Instituto Educadigital
“Lendo o veto, o Governador não escreve nada desfavorável à concepção de REA em si. O município de São Paulo já tem um decreto que é um exemplo único em todo o mundo na questão de política pública de REA. Foi uma ação direta do executivo. Quem sabe o governador e sua equipe não decidem seguir o mesmo caminho no Estado?”
Continue lendo aqui e participe deixando a sua opinião!
VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI
Nº 989 de 2011
Mensagem A-nº 031/2013,
do Senhor Governador do Estado São Paulo,
14 de fevereiro de 2013
Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência, para os devidos fins, que, nos termos do artigo 28, §1º, combinado com o artigo 47, inciso IV, da Constituição do Estado, resolvo vetar, totalmente, o Projeto de lei nº 989, de 2011, aprovado por essa nobre Assembleia, conforme Autógrafo nº 30.037.
De iniciativa parlamentar, a propositura determina que os Recursos Educacionais desenvolvidos pela Administração Direta e Indireta Estadual sejam disponibilizados em sítio eletrônico ou no Portal do Governo Estadual e licenciados para livre utilização, na forma que especifica.
O projeto define recursos educacionais como as obras intelectuais a serem utilizadas com objetivos pedagógicos, educacionais, científicos e afins, a exemplo dos livros e materiais didáticos, objetos educacionais de multimídia, jogos educacionais, artigos científicos, pesquisas teses, dissertações e outras peças acadêmicas.
Estabelece, ainda, que os contratos a serem celebrados pelo Estado visando à produção de recursos educacionais ou à cessão de direitos de terceiros devem prever, expressamente, a obrigatoriedade de divulgação e licenciamento das obras, nos termos fixados na proposição.
Por fim, prevê que a Administração Pública deverá adotar medidas que garantam a facilidade e a não onerosidade do uso dos recursos educacionais disponibilizados, valendo-se de padrões técnicos reconhecidos internacionalmente. Os contratos em vigor ou editais de aquisição de direitos já publicados deverão ajustar-se às novas regras.
Vejo-me compelido a negar assentimento à propositura, pelas razões que passo a expor. O projeto está calcado no que tem sido denominado “Recursos Educacionais Abertos”, que abrangem materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer meio, já em domínio público ou disponibilizados sob licença aberta, que permita o seu uso livre e sua readaptação, a exemplo de cursos completos, materiais didáticos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, exames, “softwares” e quaisquer outras ferramentas, materiais ou técnicas utilizadas para facilitar o acesso ao conhecimento.
Em tema voltado ao implemento de políticas públicas para ampliar o acesso ao conhecimento, devo destacar que foi promulgada a Lei nº 14.836, de 20 de julho de 2012, que instituiu a Fundação Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP, concebida a partir do conceito fundamental do conhecimento como bem público. Nessa perspectiva, a UNIVESP fará uso intensivo das novas tecnologias de informação e de comunicação para promover a evolução social do Estado, possibilitando a universalização do acesso ao ensino superior público e a universalização do acesso ao conhecimento na sociedade digital. É a tecnologia a serviço da educação e da cidadania, levando a educação de qualidade em todos os níveis para todas as regiões e Municípios do Estado.
No que toca ao objeto da proposta legislativa, resulta evidente que está compreendido no âmbito das atividades ordinárias do Poder Executivo pertinentes ao uso da informática e da Internet. Trata-se de matéria ligada à prestação regular do serviço público e, no âmbito do Estado está disciplinada de acordo com os Decretos nº 42.907, de 4 de março de 1998, nº 51.463, de 1º de janeiro de 2007, nº 51.766, de 19 de abril de 2007 e nº 52.178, de 20 de setembro de 2007, segundo os quais, mediante coordenação e acompanhamento da Secretaria de Gestão Pública, o Estado manterá atividade permanente de planejamento e execução de ações destinadas à plena utilização da informática e da rede mundial de computadores, no âmbito do serviço público, para consumo interno e externo.
Registre-se que, dentro da estrutura da Pasta da Gestão Pública, a Unidade de Tecnologia da Informação e Comunicação – UTIC é o órgão responsável pelo planejamento, coordenação, organização e controle dos recursos de tecnologia da informação e comunicação, que tem por atribuição, entre outras: a) acompanhar o andamento dos trabalhos relativos ao Sistema de Tecnologia da Informação e Comunicação, b) elaborar propostas de diretrizes e prioridades em relação à matéria, para encaminhamento ao Comitê de Qualidade da Gestão Pública, c) assegurar o cumprimento da política do Governo, relativa à informatização dos órgãos e entidades, aprovada pelo Comitê de Qualidade da Gestão Pública, d) interagir com entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais, visando ao intercâmbio técnico-cultural em tecnologia da informação e comunicação.
Por oportuno, dentre os serviços oferecidos pelo Estado, merece relevo o Portal do Pesquisador, que disponibiliza informações sobre a atuação e a produção científica dos pesquisadores dos Institutos de Pesquisa do Governo do Estado, recurso que contribui para oferecer materiais digitais, de modo livre e aberto, para educadores, estudantes e alunos autônomos para uso no ensino, aprendizagem e pesquisa.
Na área da saúde, merece destaque a Rede de Informação e Conhecimento, vinculada à Pasta, que reúne e organiza fontes de informação de 12 Institutos e Centros de Documentação da instituição, além de oferecer recursos como Periódicos online (CAPES), SCAD, Biblioteca Cochrane, SciELO, Diretório de Eventos, Localizador de Informação em Saúde, Legislação em Saúde, e outros serviços, facilitando a localização e o acesso à informação. Compõem o Perfil dos Acervos Integrados a Biblioteca do Instituto Adolfo Lutz, composto por livros e periódicos especializados em química, bromatologia, bioquímica e pesquisas laboratoriais, além da produção técnico-científica da instituição; o Centro de Documentação/CCD/SES-SP, compreendendo a produção técnico-científica institucional do nível central, publicações em saúde e áreas afins, acervo específico de Legislação em Saúde, do Estado de São Paulo e federal, além da produção científica do Programa de Pós-Graduação/CCD/SES-SP e Núcleo de Documentação Técnico-Científica/CVS, com publicações especializadas e produzidas no âmbito da instituição, além de obras de referência específicas para suporte aos profissionais da área.
Os acervos dessas três áreas, em constante construção, estão representados e disponibilizados através das Bases de Dados que compõem a Rede de Informação e Conhecimento.
Diante desse quadro, e na esteira das razões que sustentei em mensagem de veto a projeto de teor análogo (Mensagem nº 015, de 2003), é de se concluir que o Projeto de lei colide com a ordem constitucional, ao estabelecer procedimento concreto para a Administração Pública, pois a gestão administrativa dos negócios do Estado constitui matéria de competência privativa do Governador (Constituição do Estado: artigo 47, incisos II, XIV e XIX; Constituição da República: artigo 61, § 1º, II, “e”), cujo exercício não pode ser usurpado pelo Poder Legislativo, sob pena de ofensa ao princípio da harmonia entre os poderes do Estado (artigo 2º, Constituição da República; artigo 5º, “caput”, Constituição do Estado).
Fundamentado, nesses termos, o veto total que oponho ao Projeto de lei nº 989, de 2011, devolvo o assunto ao reexame dessa ilustre Assembleia.
Reitero a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.
Geraldo Alckmin
GOVERNADOR DO ESTADO
A Sua Excelência o Senhor Deputado Barros Munhoz, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado