REA avança em ações no MEC

Recursos Educacionais Abertos começam a fazer parte da agenda de ações da Secretaria de Educação Básica (SEB) e Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi)


Na segunda quinzena de junho, o MEC lançou minuta do edital do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) para o ano de 2019 que traz, pela primeira vez, uma cláusula pedindo licença aberta no material didático do professor que será adquirido por compra pública e distribuído a escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental I.

O PNLD é o maior programa de compra e distribuição de livros didáticos da América Latina e do mundo, segundo estudo apresentado no XII Congresso Latino-Americano de Humanidades, em outubro de 2016, no Rio de Janeiro. Os valores envolvidos ultrapassam 1 bilhão de reais por ano, como mostra a tabela disponível no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).


A minuta do PNLD 2019 teve repercussão nacional e internacional. Diversas instituições atuantes na área se manifestaram e enviaram cartas de apoio no dia da audiência pública (ver reprodução abaixo), pois o ano de 2017 foi denominado Year of Open (Ano da Abertura), marco de celebrações no mundo todo para a causa da Educação Aberta e dos Recursos Educacionais Abertos (REA) e ano do 2º Congresso Mundial de REA da UNESCO, a ser realizado na Eslovênia em setembro. As declarações UNESCO de Paris 2012 e Quigndao 2015 trazem recomendações aos governos dos países para a utilização de licenciamento aberto de recursos educacionais adquiridos com fundos públicos, posicionando os REA como um dos pilares para uma Educação de Qualidade (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável #4).

Desde o lançamento do Compromisso #6 da Parceria Governo Aberto (OGP-Brasil), no final de 2016, o tema dos Recursos Educacionais Abertos (REA) na política pública educacional brasileira vem avançando consideravelmente nas principais agendas do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB). O Compromisso estabeleceu como o objetivo principal o fomento à autonomia de professores e estudantes para usarem, re-usarem e adaptarem recursos educacionais digitais, de forma a valorizar a pluralidade e a diversidade da educação brasileira.

Iniciativa Educação Aberta, parceria entre Instituto EducadigitalCátedra UNESCO de Educação Aberta da Unicamp, vem realizando uma série de reuniões de acompanhamento da execução do Compromisso, que envolve o lançamento de um Portal Integrado de recursos digitais produzidos pelo MEC com a possibilidade de upload pelos usuários, fomentando uma rede de troca e compartilhamento de materiais entre educadores. Além disso, como ação integrante do projeto Guia Educação Aberta (parceria CGI.br) organizou formação presencial de gestores públicos do MEC e CAPES sobre a importância da adoção de REA como política pública, como vem sendo recomendado em diversos documentos regulatórios nacionais (PNE, Resolução do CNE) e internacionais (Declaração UNESCO de Paris, Declaração de Quingdão).

Recursos Educacionais Abertos (REA) são um dos elementos essenciais para a consolidação de uma educação aberta, inclusiva, democrática e que permita aos contribuintes brasileiros usufruir dos benefícios criados por agentes e órgãos públicos com base nos impostos recolhidos. Os REA são reconhecidos e incentivados pela UNESCO e outros organismos internacionais como a OCDE, o Banco Mundial e a Comissão Europeia, como uma oportunidade estratégica para melhorar as práticas de qualidade na educação, bem como para facilitar o diálogo institucional e político sobre reforma educacional e metodologias, além de fomentar o compartilhamento de conhecimento e a formação continuada de docentes.

No dia 22 de junho, o FNDE promoveu audiência pública para apresentar o detalhamento do edital do PNLD 2019. A diretora-executiva do Instituto Educadigital esteve presente e, ao solicitar a palavra, pode explicar melhor às editoras presentes o que significa uso de licença aberta previsto no edital, com permissão para uso, reuso, adaptação e distribuição sem finalidade comercial, pois o MEC planeja disponibilizar as obras no portal público que está sendo desenvolvido dentro das ações de execução do Compromisso #6 do OGP-Brasil. Priscila também aproveitou a oportunidade para distribuir alguns exemplares do estudo Inovação Aberta em Educação: Conceitos e Modelos de Negócio, elaborado com apoio do CIEB.

O edital do PNLD 2019 trouxe outras novidades, como a possibilidade de receber e analisar materiais estruturados e não apenas livros. O documento solicita, ainda, que o conteúdo a ser apresentado nas obras esteja em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Este último ponto, no entanto, vem sendo criticado por boa parte dos movimentos sociais na área, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, porque a BNCC ainda depende de aprovação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Outras ações estão previstas no âmbito do MEC em relação ao melhor entendimento de REA, como a criação de um Grupo de Trabalho reunindo servidores das várias diretorias, assim como gestores da CAPES e FNDE, para compreenderem os documentos oficiais que já relacionam REA na política pública educacional, como também para planejar outras possibilidades de implementação e expansão do tema dentro da pasta.

Saiba mais sobre os REA

REA incluem diversos tipos de materiais licenciados abertamente: planos de aulas, livros, jogos, softwares e outros materiais de apoio ao ensino e aprendizagem – digitais ou analógicos. Eles contribuem para tornar a educação mais acessível, especialmente quando o dinheiro para aquisição de materiais de aprendizagem é escasso. Eles também incentivam a cultura de participação, desenvolvimento, compartilhamento e cooperação para boas práticas abertas, que constitui a base da sociedade do conhecimento e possibilita sua rápida e constante evolução. É importante ressaltar que essa cultura que vem se fortalecendo por meio dos REA não representa valores abstratos; longe disso, é traduzida em habilidades práticas que são essenciais para a renovação e qualificação para o trabalho em uma sociedade em constante transformação.

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Caberá Recursos Educacionais Abertos nessa Mochila Digital?

Apesar das grandes desigualdades de nosso país e dos problemas com a banda larga, o uso de computadores e dispositivos móveis já é uma realidade em um grande número de escolas.

De acordo com a matéria Mochila Digital publicada no Estadão, para o ano letivo de 2014, o Ministério da Educação (MEC) aplicou R$ 67 milhões em ferramentas digitais complementares aos livros impressos. Essa quantia corresponde a 6% do total de R$ 1,1 bilhão gasto por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em material dos ciclos Fundamental e Médio. O edital de compra para 2015 já prevê a aquisição de livros digitais e obras multimídia, com vídeos, animações, mapas interativos e outros recursos associados aos textos escritos.

Nesse novo contexto, além de comprar o papel (do livro didático) o governo também comprará objetos digitais de aprendizagem e em breve o próprio livro digital.

Como bem lembrou Bianca Santana, membro da comunidade REA Br, imaginem se essa imensidão de recursos digitais pagos com dinheiro público estivessem disponíveis pra todos nós, educadores e educadoras com a possibilidade de adaptar esses recursos às realidades locais ou simplesmente aos objetivos específicos de cada um ou cada contexto.

Da minha parte, imaginem ser dada a possibilidade de não consumirmos mais conhecimento enlatado e que haja a liberdade de se colocar como protagonista do processo. Que venha o professor autor! Que venha o professor com um jeito hacker de ser (como sempre nos lembra brilhantemente o Prof. Nelson Pretto).

E concordo com a Bianca, pensem se o MEC investisse em recursos educacionais abertos!

Fonte: Mochila Digital

Por que materiais didáticos devem ser acessíveis a todas as pessoas?

O governo acaba de negociar 880 milhões 263 mil 266 reais e 15 centavos para a compra de livros didáticos. O PNLD – Programa Nacional do Livro Didático – é o maior programa de compra de livros do mundo e devemos nos orgulhar disso. Mas o que precisamos mudar – e com urgência – é o que compramos. Não, não estou falando que os livros são ruins. Estou falando que precisamos comprar o conteúdo dos livros, em vez de zilhares de páginas impressas. O que compramos hoje são exemplares físicos de livros. Com o recurso recém negociado, compraremos 135,6 milhões de exemplares de livros. Mas o conteúdo continua sendo de propriedade das grandes editoras ou dos autores dos livros. Isso significa que uma professora do interior do Pará não pode aprimorar as poucas linhas dedicadas a seu estado no livro de Geografia, porque todos os direitos – de alterar, distribuir, traduzir ou reproduzir o que ela recebeu do governo – continuam não sendo dela, nem do governo, nem meu, nem seu. O símbolo do copyright que vem estampado nos livros comprados com dinheiro público impede que o livro seja adaptados a diferentes realidades locais e que alguém que não esteja matriculado na escola tenha acesso ao que foi pago por todos.

Qual a ideia então? Que os materiais educacionais pagos com dinheiro público pertençam ao público. E pros que ficam preocupados com as finanças das editoras, as cifras indicam que não há motivo pra isso: nesta compra, a Editora Moderna vai receber R$ 161.366.197,83 , a Editora FTD R$162.933.319,18 e a Editora Ática R$148.288.428,80. Está tudo muito bem pago! Pra quem duvida ou quer mais argumentos, recomendo ver a apresentação “Acesso ao Livro Didático e ao Livro Técnico Científico no Brasil” e a leitura do relatório “O mercado de livros técnicos e científicos no Brasil” , produzidos pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP (Gpopai). Mas alerto para o risco de você se tornar ativista pelo conhecimento livre. Os dados científicos são convincentes…

Com a expansão das tecnologias digitais, o conteúdo educacional pago por todos nós pode estar disponível a qualquer pessoa que tenha acesso à Internet em casa, no trabalho, em telecentros ou em lan houses. E acho que ninguém duvida do potencial transformador do acesso ao conhecimento.

E os materiais educacionais não se limitam aos livros. Temos softwares, planos de aulas, artigos, filmes, músicas. E diversos especialistas recomendam a utilização de recursos variados nas salas de aula. O problema é que hoje tal prática é ilegal. As professoras e professores brasileiros que – sem intuito de lucro algum, com o único objetivo de ensinar – reproduzem filmes ou músicas protegidos pelo copyright nas salas de aula estão cometendo crimes. A atual lei do direito autoral não permite exibição pública sem autorização, mesmo para fins educacionais, de material audiovisual.

Esta lei, apesar de ser chamada de Lei dos Direitos Autorais, defende a preservação de um modelo de negócio em detrimento do acesso ao conhecimento e da proteção justa do esforço criativo do autor. Ela defende os interesses da indústria do copyright, que retoma constantemente o mito da originalidade, ignorando que a humanidade gera conhecimento a partir do que já foi criado por outras pessoas. A produção acadêmica, por exemplo, pressupõe a construção de conhecimento com base no que outros construíram. Uma obra de arte – seja ela um texto, um vídeo, uma imagem, uma escultura, um som, um movimento – é criada com base numa herança comum, no que outros criaram. O professor de direito da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Lawrence Lessig, mostra no livro “Cultura Livre: como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade”, de 2005, como a própria indústria do copyright se baseia em produções anteriores. Walt Disney criou o Mickey Mouse, em 1928, a partir de um personagem do filme mudo “Steamboat Bill”, do cineasta Buster Keaton. Branca de Neve, Cinderela e tantas outras personagens de seus desenhos animados são derivadas dos contos registrados pelos irmãos Grimm, já em domínio público.

A atual Lei de Direitos Autorais Brasileira (nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998) é das mais restritivas do mundo. Segundo a Consumers International IP Watch List, pesquisa global que classifica as leis nacionais de copyright em relação à promoção do acesso ao conhecimento, o Brasil tem a 4ª pior legislação do mundo. Pela lei brasileira, em nenhuma situação é permitido fazer cópia integral de uma obra sem autorização prévia e expressa do detentor de direitos autorais. Isso significa que mesmo o autor de uma obra, ao publicar um livro por uma editora e reservar a ela todos os direitos, não poderá copiar ou distribuir seu livro sem a autorização da empresa.

A boa notícia é que esta lei está em processo de modificação. De 14 de junho a 31 de agosto deste ano, o Ministério da Cultura Brasileiro promoveu uma consulta pública à nova Lei de Direito Autoral e foram registradas no período 8.431 manifestações sobre o projeto – de apoio, rejeição ou propostas de nova redação. Diversas entidades ligadas à educação – como a Ação Educativa, o Instituo Paulo Freire e o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária ) – elaboraram uma série de propostas de alteração da lei para incentivar o compartilhamento de materiais educacionais. Precisamos agora acompanhar a sistematização que o Ministério da Cultura fará do projeto e trabalhar para que o Congresso seja favorável à expansão do acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, aprovando uma nova lei que esteja a serviço da maior parte das pessoas.

Para inspirar nossos parlamentares, vale lembrar que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos coloca a necessidade de equilíbrio entre o direito à cultura e o direito de autor. O artigo XXVII, define como direitos universais, relacionados, que: (1) toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios; e que (2) toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. É hora de equilibrar!