Hewlett Foundation e o futuro dos REA

O ótimo encontro anual da Hewlett Foundation tornou-se quase uma conferência sobre REA, na linha da OEC (Internacional), OE (EUA) e OER (Inglaterra). O enfoque é o encontro dos grupos e organizações que receberam algum apoio financeiro da Hewlett além de observadores e pessoas que trabalham nessa área. É uma das fundações que mais apoia o movimento REA, e o faz há muito tempo.

No encontro desse ano ficou claro um interesse no “mercado” e retornos financeiros como redução de gasto, por exemplo. Houve também demanda por pesquisas que possam demonstrar uma relação entre os recursos e o aprendizado dos alunos. A grande mensagem foi: “encontre um problema onde REA possa ser uma solução e ataque”. Estamos nos EUA e por aqui, a crise do ensino superior domina o discurso particularmente o alto custo de livros didáticos (veja a alternativa oferecida pelo OpenStax). Não por menos, o filme que vimos para fomentar uma discussão foi Ivory Tower.

Puxando a sardinha para o nosso lado, houve maior espaço dedicado a pensar nos grandes desafios internacionais e na necessidade de articulação global sobre o tema. Em um dos encontros discutimos a situação de refugiados, a necessidade de produção colaborativa e articulada de recursos, além de um renovado interesse em fomentar awareness (sensibilização), o que alguns já davam como ultrapassado. Nesse sentido, continuou a boa discussão em torno do OER World Map (mapa global REA, participamos com o MIRA e continuamos como parceiros estratégicos) que além de uma boa estrutura de dados básicos, terá um enfoque em histórias sobre pessoas, projetos e organizações ao redor do planeta. É uma ótima ferramenta para diversificar os exemplos e modelos que usamos para falar de REA (ainda) focados particularmente nos EUA, e em inglês.

É prudente a chamada por mais pesquisa e projetos que tenham maior foco e resultados mais claros; é um sinal de maturidade quando conseguimos identificar problemas específicos e apresentar evidências de sucesso. Ao mesmo tempo corre o risco de alimentar um ciclo vicioso em busca de grandes impactos de curto prazo. Mas estamos no coração do Silicon Valley onde há sempre um embate entre a ética e a eficiência. Por um lado precisamos criar, compartilhar e difundir REA simplesmente porque as práticas e modelos associados a REA estão alinhados a educação que queremos, mesmo que esse processo não seja eficiente, comparativamente. Podemos aprimorar nossas práticas enquanto “práticas abertas”, e não necessariamente em comparação com outro modelo mais eficiente. O foco excessivo em métricas leva a um grande risco, tão evidente na área de tecnologia educacional, da busca  por relações tênues entre o uso de recursos abertos e a melhoria do aprendizado (pra começar, vale ler um clássico. Quando o resultado não aparece, joga-se fora a iniciativa, mesmo que essa pudesse contribuir com outros objetivos. Esse não é, como nos demonstra a história, um caminho frutífero.

Foi também proposta uma discussão sobre os grandes temas da área, um rascunho chamado Foundations for OER Strategy Development. O documento está aí e disponível para comentários e sugestões (em inglês). É um resumo dos problemas, tensões e algumas sugestões para o movimento REA. Durante a discussão em grupo realizada no evento, questionamos o significado de um documento como esse. Precisamos, alguns perguntaram, de mais um documento de alto nível para apontar grandes problemas e questões? Dois documentos recentes apoiados pela Helwett seguem a mesma linha:

West, P. G., & Victor, L. (2011). Background and action paper on OER. The William and Flora Hewlett Foundation.

Atkins, D. E., Brown, J. S., & Hammond, A. L. (2007). A Review of the Open Educational Resources (OER) Movement: Achievements, Challenges, and New Opportunities. The William and Flora Hewlett Foundation.

Isso indica que ainda nos falta articulação e maturidade? Ou é um exercício de reflexão que precisa acontecer periodicamente?

*Tel Amiel é pesquisasor da UNICAMP, membro da comunidade REA Brasil, coordenador da Cátedra UNESCO em Educação Aberta e conselheiro do Instituto Educadigital.
*Esse texto foi publicado originalmente em Educação Aberta e possui licença CC-BY.

Educação Aberta e REA são foco da série “Gerações Digitais” do Instituto Claro

Autonomia e compartilhamento estão mais próximos da realidade das escolas


O Instituto Claro lançou a segunda reportagem da série “Gerações Digitais”, cujo tema, tratou de Educação Aberta e Recursos Educacionais Abertos. O prof. Nelson Pretto, prfª Débora Sebriam e prof. Tel Amiel da comunidade REA Brasil participaram da matéria. A série Gerações Digitais vai ao ar a cada duas semanas e pretende registrar a trajetória das tecnologias digitais na educação nas últimas décadas, a partir de cinco temas-chave: Jogos (já publicada), Educação Aberta, Ativismo Digital, TICs na sala de aula e Mobile-Learning. Acompanhe e participe das dicussões!

Veja a matéria abaixo!

As tecnologias digitais vêm promovendo grandes mudanças na forma como as pessoas se informam e aprendem. No entanto, muitas destas mudanças não estão claras para professores e profissionais da área, que ainda apresentam dificuldades na hora de formular práticas pedagógicas para uma geração de alunos mais conectada e interativa.

Uma das novas práticas educacionais surgidas na última década é o conceito de Educação Aberta, que, para os mais radicais, se relaciona com a possibilidade de uma educação além da formal, que não depende do espaço escolar. Ou até com a substituição da escola tal como está constituída hoje, como provoca Nelson Pretto, doutor em educação e tecnologia e professor da UFBA. “Se pensarmos no formato tradicional das escolas, que só transmitem educação, as tecnologias digitais são mais efetivas”, afirma. No entanto, ele alerta: “Educação, porém, não é isso, não é transmissão de informação”.

Para Pretto, que possui um histórico de atuação com tecnologias na educação anterior à web 2.0-, as novas gerações se manifestam e produzem conhecimentos de maneira diferente. Atuando neste cenário há menos de dez anos, a educadora especializada em tecnologias digitais Débora Sebriam também acredita que uma grande transformação recente é o fato de que as pessoas passaram a produzir mais conteúdos e conhecimentos de forma colaborativa.

“A escola precisa se modificar. O esforço que tem que ser feito agora é o de transformá-la em um ecossistema pedagógico de produção de cultura e conhecimento. Para isso, é preciso uma mudança de currículo”, afirma Pretto.

Experiências colaborativas e abertas

Uma das formas de trabalhar o espírito colaborativo da cultura digital em sala de aula, tanto no que diz respeito aos recursos quanto à metodologia de utilização, é através dos Recursos Educacionais Abertos. Ou seja, fazendo uso de ferramentas que estão em domínio público ou licenciadas de maneira aberta e que podem ser utilizadas e/ou remixadas por terceiros. Confira mais detalhes sobre os REAs na apresentação abaixo, elaborada por Débora Sebriam e Priscila Gonsales para o Seminário Recursos Educacionais Abertos, que aconteceu em Porto Alegre no dia 12 de setembro, por iniciativa do Projeto REA Brasil, Instituto Educadigital e Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Débora Sebriam lembra que este movimento chegou no Brasil em 2008. Hoje, já existe uma comunidade que se organiza a partir do portal do REA e apoia projetos de disponibilização e produção de recursos abertos.

No entanto, os recursos educacionais abertos não fazem a diferença sozinhos. Para Tel Amiel, pesquisador do Nied/Unicamp e coordenador do grupo de trabalho Educação Aberta, o que importa são as práticas que podem ser modificadas em sala de aula e para além dela, através da discussão de questões como remixagem e propriedade intelectual, por exemplo. “Os REAs são uma maneira de o professor e o aluno pensar questões que a Cultura Digital impõe”, afirma.

Segundo Débora, as novas gerações já começam a ter mais autonomia para a busca e produção de conhecimento a partir da internet, apesar da “colagem” ser uma alternativa antiga. “O copiar e colar é uma prática anterior ao mundo online. As pessoas copiavam coisas da Enciclopédia Barça, por exemplo. A questão é: com vários trabalhos copiados e colados, sem citações de fonte, o professor precisa propor releituras e reflexões. O que se impõe é uma questão metodológica”, afirma.

Desafios para os próximos anos

Construir uma escola que explore melhor o conceito de colaboração é um desafio que esbarra em alguns obstáculos. Nelson Pretto aponta que os professores precisam receber formação para atuar de forma mais efetiva com as novas tecnologias. “Formação não são somente cursos. É plano de carreira, é infraestrutura nas escolas, constante atualização e valorização da prática docente”, afirma.

Pouco a pouco, os REAs começam a aparecer como foco de políticas públicas. Débora lembra que, em São Paulo, os materiais educacionais municipais já são todos REA, a partir da aprovação do Decreto Municipal nº 52.681, de 26 de setembro de 2011. Além disso, há projetos de lei para ampliar o alcance dos REAs tramitando no Senado e no Estado de São Paulo. Detalhes sobre o projeto vão ser discutidos no VI Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, que acontecerá no dia 9 de outubro, em Curitiba. “É importante transformar esta adoção em lei, para evitar retrocessos com troca de governos, por exemplo”, afirma a educadora.

A materialização dos REAs nas escolas brasileiras ainda depende de investimentos, mas será um caminho sem volta, na opinião de Débora. “Esta discussão só vai ganhar força nos próximos anos, principalmente porque envolve dinheiro público. Se é a sociedade que está financiando os materiais, eles devem poder voltar para a sociedade depois”, finaliza.

Para acessar o podcast publicado e apresentação elaborada por Débora Sebriam e Priscila Gonsales, acesse: Instituto Claro