Interessante entrevista sobre acesso aberto publicada no Jornal da Ciência (edição de 13 de Março de 2013) com Cristina Guimarães, pesquisadora do Icict e Helio Kuramoto, do Ibict.
Qual o impacto das medidas adotadas tanto nos EUA quanto na Europa em relação ao livre acesso às pesquisas realizadas com verba pública?
Cristina Guimarães – Especialmente nos países ocidentais, um número crescente de financiadores de pesquisa coloca como requisito da subvenção o depósito dos resultados da pesquisa em repositório de acesso aberto. Quando não mandatórios, os financiadores “encorajam fortemente” que o depósito seja feito. Alguns números dão conta desse impacto, somente no campo das ciências da saúde: o US PubMed Central (PMC), repositório mantido pela National Institutes of Health (NIH), dos EUA, disponibiliza hoje mais de 2,5 milhões de artigos em texto completo. Na Europa, o Europe PMC, lançado em novembro de 2012, conta com mais de dois milhões de artigos científicos. É importante lembrar de uma forma complementar de financiar o livre acesso, quando os financiadores disponibilizam fundos adicionais para custear a publicação do artigo em uma revista de acesso aberto.
Helio Kuramoto – Nos EUA, desde 2007, quando foi aprovada uma lei específica ao NIH – National Institutes of Health, tornou-se obrigatório a todos os pesquisadores, financiados por aquela agência de fomento, o depósito de seus artigos publicados em revistas científicas no repositório PubMed Central, que hoje conta com cerca de 2,6 milhões de artigos depositados. Este número mostra o benefício que a referida medida trouxe não apenas aos pesquisadores americanos, mas de todo o mundo, inclusive, os profissionais, como os médicos.
Há dois anos, tive a oportunidade de comprovar isso ao fazer uma consulta com um médico urologista, em Brasília. Perguntei a ele como fazia para se manter atualizado e ele me surpreendeu, dizendo que consultava regularmente o PubMed Central. Esta foi a melhor prova dos benefícios que essa medida trouxe não apenas aos pesquisadores americanos, mas a todos os profissionais no mundo.
Em seguida, mais recentemente, no final do mês de fevereiro desse ano, o governo americano tomou a decisão, por meio de um memorandum, no qual foi estendido a todas as agências americanas de fomento, iniciativas aderentes ao Open Access. Ou seja, espera-se que em breve todas as agências americanas de fomento sigam o exemplo do NIH. E, futuramente, poderemos ter um acesso mais amplo à informação científica.
Da mesma forma, na Europa, vem se desenvolvendo projetos aderentes às iniciativas OA e, em meados do mês de fevereiro, houve uma evento em Portugal para se discutir o desenvolvimento desses projetos, o OpenAIRE e o MedOAnet, conforme se pode ver no link: http://openaccess.sdum.uminho.pt/?page_id=1791
Enfim, o impacto que esses projetos e iniciativas trarão é maior visibilidade da produção científica desenvolvida nesses países, pois, ao contrário do que ocorre com as publicações científicas onde apenas os seus assinantes têm acesso, uma comunidade maior de pessoas terá acesso aos resultados das pesquisas ocorridas nesses países.
Caso essas medidas fossem adotadas no Brasil, que benefícios trariam à ciência brasileira?
CG – O primeiro e mais importante é a visibilidade (das pesquisas, dos pesquisadores, das instituições), etapa fundamental para o círculo virtuoso da ciência e da inovação. A visibilidade e o livre acesso à produção científica nacional também devem ser pensados em seu papel fundamental para a educação científica e a educação em saúde (health literacy), subsídios importantes para a governança da ciência e o controle social.
HK – Caso essas medidas fossem adotadas no Brasil, as pesquisas brasileiras ganhariam maior visibilidade, assim como os nossos pesquisadores e as nossas instituições de ensino e pesquisa. Além disso, o Brasil certamente obteria maiores oportunidades de cooperação técnica com outros centros mais desenvolvidos.
Não apenas o País, como um todo, mas, principalmente, os pesquisadores ganhariam maiores oportunidades de interação com outros pesquisadores de outras nações e, obviamente, proporcionariam maior progresso científico ao nosso País. Mais do que isso, com certeza, toda a população brasileira poderia usufruir os resultados dessas pesquisas e ter uma saúde melhor, e melhores condições de vida.
Você acredita que há uma valorização dos pesquisadores e cientistas brasileiros em relação à publicação de seus estudos junto às editoras científicas em detrimento do uso dos repositórios institucionais?
CG – A resposta a essa pergunta não passa exclusivamente pela análise do comportamento ou das preferências do pesquisador. Inúmeros elementos se interpõem que vão desde as características da área do conhecimento (maturidade, dinâmica de crescimento, caráter nacional ou internacional, dentre outros) até a política de avaliação da ciência em prática no país. Para além dessas questões políticas e conceituais, os repositórios devem ser pensados como uma estratégia adicional de publicação, e não competitiva aos periódicos científicos.
HK – O fato de os pesquisadores brasileiros publicarem em uma revista científica comercial, obviamente, provoca uma valorização desses pesquisadores junto àquelas revistas. Mas, o fato do pesquisador brasileiro depositar os seus artigos em um repositório digital não o denigre ou o desvaloriza junto aos editores científicos. Aliás, o fato de o pesquisador brasileiro não depositar a sua produção científica em nenhum repositório de acesso livre, só prejudica a ele próprio, pois ele deixa de dar maior visibilidade à sua produção científica e, com isto, certamente, os próprios editores científicos também deixam de ganhar, pois, da mesma forma, as suas revistas deixam de ter a visibilidade que teria se um artigo de seu periódico estivesse presente em um repositório digital.
O que falta, no Brasil, para que o livre acesso seja implantado em todos os institutos de pesquisa e demais órgãos que realizam pesquisas científicas?
CG – Há que se ter uma ampla discussão sobre o tema, envolver pesquisadores, gestores, políticos e a sociedade civil. Nos países onde a política se estabeleceu, ela o fez como resultado de muita discussão, de muita pressão pública. Se a função social da ciência prevalecer, ou seja, se o papel da ciência é estar a serviço da sociedade, o livre acesso à literatura se impõe. Cabe às políticas desenhar o melhor caminho para que isso seja alcançado. A Fiocruz já assumiu esse compromisso e colocou em curso a elaboração a Política de Acesso Livre a produção técnico-científica da instituição, por meio do repositório institucional ARCA.
HK – Desde 2007, a Câmara dos Deputados vinha discutindo o Projeto de Lei (PL) 1120/2007, o qual propunha a obrigatoriedade de todas as universidades e centros de pesquisa ter os seus repositórios institucionais, e que tornasse obrigatório aos seus pesquisadores o depósito de seus artigos publicados em revistas científicas. No entanto, este PL, após praticamente quatro anos de discussão, foi arquivado em janeiro de 2011, devido à mudança na legislatura.
Em seguida, articulamos com o atual senador da República, Rodrigo Rollemberg, o mesmo que submeteu o PL 1120/2007, a submissão de um projeto similar no Senado Federal. Então, desde 2011, o PLS 387/2011 está em discussão. Tal projeto continua praticamente parado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101006). O relator é o senador Cristovam Buarque.
Evidentemente, não haveria necessidade desse projeto se o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o MEC – Ministério da Educação se organizassem e publicassem medidas, tornando obrigatório a todas as universidades e institutos de pesquisa públicos a implantação dos seus respectivos repositórios, e obrigassem os pesquisadores dessas organizações a depositarem a sua produção científica. No entanto, isso é uma coisa difícil de se alcançar, pois hoje a Capes tem o seu portal de periódicos e, portanto, a implantação dos repositórios seria uma medida que viria em direção oposta ao Portal da Capes. Existem aí interesses que não me cabe discutir. Mas, certamente, a implantação das medidas necessárias para o estabelecimento de repositórios digitais seria muito mais barato que a manutenção do referido portal, que custa aos cofres públicos mais de US$ 80 milhões. O custo de implantação de repositórios digitais é muito mais barato do que esse montante gasto pela Capes. Trata-se de matéria de interesse público.
Créditos:
Artigo de Graça Portela – Comunicação do ICICT/Fiocruz, publicado em Jornal da Ciência: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=86177