O ‘Pequeno Príncipe’ é de (quase) todos

Texto Sérgio Branco | Fonte Brasil Post | Licença Todos os direitos reservados

Anualmente, em primeiro de janeiro, o mundo comemora o dia do domínio público. A data é importante porque marca o momento em que obras, antes protegidas por direitos autorais, podem ser usadas independentemente de autorização ou pagamento. Neste ano, entraram em domínio público as obras de Antoine de Saint-Exupéry, Edvard Munch, Glenn Miller e Eliseu Visconti, entre outros.

Na prática, o que isso significa? O que pode ser feito com músicas, livros, filmes e pinturas que ingressam em domínio público? Com o término dos direitos econômicos, qualquer pessoa fica livre para:

a) usar a obra original, inclusive com fins lucrativos;

b) modificar a obra original, fazendo adaptação, tradução, remix, de modo quase ilimitado, também com fins lucrativos, se assim desejar.

É importante observar que o nome do autor da obra que entra em domínio público precisa sempre ser mencionado, mesmo que tenha havido grande modificação em seu trabalho. Por isso, se você decidir adaptar um livro de Shakespeare ou de Machado de Assis para qualquer mídia ou formato, pode fazer sem medo, mas precisa informar o nome do autor da original que você está adaptando.

E o ingresso em domínio público das obras de Glenn Miller, Exupéry, Munch e Visconti, entre outros, vale no mundo inteiro? Não. Cada país precisa decidir como contar o prazo de proteção. Em razão de tratados internacionais, o prazo mínimo geral é de 50 anos a partir da morte do autor. O Brasil adotou o prazo de vida do autor mais 70 anos para todas as modalidades, menos fotografias e obras audiovisuais, cujo prazo de proteção também é de 70 anos, mas contados da divulgação da obra (ou seja, fotos e filmes divulgados até 1944 também entraram em domínio público no Brasil em 2015).

Por isso, é verdade que os trabalhos dos autores mencionados no início do texto ingressaram em domínio público no Brasil, na União Europeia, na Argentina, na Austrália e em todos os países que adotam a regra dos 70 anos. Contudo, há exceções. Na Colômbia, que prevê proteção por 80 anos após a morte do autor, a obra pode entrar em domínio público só em 2025, dependendo da regra aplicável a obras estrangeiras. A mesma lógica se aplica à Costa do Marfim (prazo de 99 anos depois que o autor morre) e ao México (vida do autor e mais 100 longuíssimos anos).

O caso mais polêmico deste ano é o ingresso em domínio público do “O Pequeno Príncipe”, um dos maiores fenômenos editoriais de todos os tempos. Como se pode perceber, o esgotamento dos direitos econômicos sobre a obra depende do lugar em que a proteção é reclamada. Em países que protegem direitos autorais por menos de 70 anos (Canadá e Coreia do Sul, por exemplo), o livro já não está mais protegido pelo menos desde 1995. Por outro lado, em países como Colômbia e México, talvez só daqui a alguns anos. Pela lei brasileira, o livro está em domínio público porque o Brasil aplica a todas as obras do mundo o prazo de sua própria lei. Assim, não importa a origem da obra, o prazo aplicado será sempre o de setenta anos após a morte do autor. Essa regra é permitida nos termos dos acordos internacionais e se encontra expressa na lei brasileira de direitos autorais (lei 9.610/98, art. 2º).

Na França, contudo, existem prazos de prorrogação de direitos de autor por conta das guerras mundiais do século XX. Como as obras intelectuais não puderam circular adequadamente nos períodos de conflito, o legislador decidiu aumentar o prazo de proteção em 6 anos e 152 dias para compensar os danos da Primeira Guerra Mundial e em 8 anos e 120 dias para os da Segunda. Além disso, foram conferidos 30 anos extras para o caso de o autor ter morrido em combate. Por isso, caberá ao intérprete da lei francesa definir qual regra incide no caso. Não será a primeira vez que a corte da França precisará analisar a questão. Por conta das prorrogações de guerra, nos anos 1990 o poder judiciário francês teve que decidir se os quadros de Monet ainda estavam protegidos. De toda forma, como as prorrogações valem apenas na França, não devem causar qualquer impacto no Brasil.

Para o ano que vem, esperem ainda mais polêmica. Em 2015, completa-se o prazo de 70 anos da morte de Hitler. Por isso, em 01 de janeiro de 2016 ingressa em domínio público o “Mein Kampf” (além de todas as pinturas de Hitler – de talento duvidoso, segundo os críticos). Por enquanto, os direitos autorais sobre o livro pertencem ao governo alemão, que se empenha em proibir qualquer reprodução da obra. Claro que em alguns países, a obra já não está mais protegida, mas a grande questão é o ingresso em domínio público na Europa. A partir do ano que vem, quando for possível a apropriação do “Mein Kempf” inclusive por grupos extremistas europeus, estaremos diante de um interessante e raríssimo caso em que o domínio público promove o acesso lícito a uma obra indesejada. Neste momento em que se discute tanto liberdade de expressão, o que não vai faltar é assunto.

Sérgio Branco é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e doutor em Direito Civil pela UERJ.

O Compromisso do Acesso e o 5ºR

Muitos de vocês que já participaram de algum encontro sobre REA ou simplesmente acompanham as discussões em nossa comunidade brasileira já devem ter nos ouvido falar dos “4Rs”, ou simplesmente, as 4 liberdades mínimas de um Recurso Educacional Aberto.

Do inglês, são eles (review, reuse, remix e redistribute):

(Re)Usar: compreende a liberdade de usar o original, ou a nova versão por você criada com base num outro REA, em uma variedade de contextos;

• (Re)visar: compreende a liberdade de adaptar e melhorar os REA para que melhor se adequem às suas necessidades;

• (Re)mixar: compreende a liberdade de combinar e fazer misturas e colagens de REA com outros REA para a produção de novos materiais;

• (Re)Distribuir: compreende a liberdade de fazer cópias e compartilhar o REA original e a versão por você criada com outros.

Já faz 7 anos desde que esse pensamento dos 4Rs ganhou força e vem pautando algumas das definições de REA, uma vez que, eles dizem respeito as permissões concedidas aos usuários que acessam um REA.

David Wiley, em um excelente post e pautado pela situação do acesso aos livros no ensino superior dos Estados Unidos, em que mesmo em um contexto em que o papel vem sendo substituído nas universidades pela cópia digital, o acesso continua sendo restringido pelo mercado editorial, e portanto, um problema.

“Em um mundo onde os livros, artigos científicos e outros recursos educacionais podem ser copiados e distribuídos de imediato e, praticamente sem qualquer custo, o “compromisso de acesso” não parece ser mais uma barganha”, diz Wiley.

Ainda de acordo com David Wiley, não há futuro possível a curto ou a médio prazo, em que as editoras comerciais farão o que é economicamente e tecnicamente necessário para tornar o acesso possível para que os alunos realmente possuam o seu conteúdo de aprendizagem. Isto significa que qualquer avanço em direção a propriedade terá de vir do campo da educação aberta. E nesse contexto ele propõe pensarmos em um 5ºR, o “Retain”, ou guardar (em tradução livre).

Imagine o contexto em que se aluga livros técnicos-científicos, ou se tem uma assinatura digital com acesso garantido por tempo limitado de uma base de dados, empréstimo e etc. Muitas vezes não é garantido o direito ao usuário de guardar uma cópia do conteúdo para quando não estiver mais ligado a uma instituição de ensino, e nesse contexto, estou totalmente de acordo com Wiley, o 5ºR faz todo sentido.

Saiba mais: The Access Compromise and the 5th R

Projeto de Lei sobre REA é apresentado ao Congresso nos Estados Unidos

Senadores apresentam ao Congresso dos Estados Unidos o projeto de Lei “Affordable College Textbook Act of 2013” que prevê a redução dos altos custos com livros pela expansão dos Recursos Educacionais Abertos.

Para Nicole Allen, diretora do Programa REA da SPARC, o ensino superior precisa de soluções para a crise dos altos custos dos livros universitários e este projeto de lei prevê essa resposta, uma vez que, os recursos educacionais abertos são o caminho mais eficaz.

Em situação análoga a do Brasil, nos Estados Unidos nem o grande potencial da internet conseguiu resolver o problema do acesso aos materiais digitais, especialmente os livros e o mercado que gira em torno dele e perpetua preços elevados.

Os Recursos Educacionais Abertos (REA) fornecem um novo modelo para a publicação de conteúdo acadêmico que é projetado para tirar o máximo proveito do ambiente digital. Usando livros abertos (livros com licenças flexíveis) no lugar de livros didáticos tradicionais se reduz o custo para os alunos entre 80-100%.

Especificamente a nova lei cria e expande o uso de livros que podem ser disponibilizados on-line e licenciados abertamente, o que permite ao público o direito de acessar livremente, personalizar e distribuir o material.

Alguns pontos importantes do projeto de lei:

  • Criação de um programa de subvenção para apoiar projetos piloto em universidades na criação e expansão do uso de livros didáticos abertos, com prioridade para os programas que irão atingir os mais altos descontos para os alunos;
  • Garante que todos os livros abertos ou materiais educativos criados com recursos do programa serão livremente disponibilizados ao público;
  • Exige que as entidades que recebem financiamento criem um relatório sobre a eficácia do programa para alcançar preços mais baixos para os alunos;
  • Melhora os requisitos existentes para os editores para que produzam os livros didáticos e outros materiais educativos disponíveis para venda individualmente e não como um conjunto
  • Requer a apresentação de uma atualização sobre as tendências de preços de livros usados nas universidades em 2017 ao Congresso.

No Brasil, o custo do livro também é uma barreira para inúmeros estudantes do ensino superior, e também, da educação básica. O Projeto REA-Br tem trabalhado junto aos gestores políticos para avançar com esse tema no Brasil. Atualmente, o município de São Paulo é pioneiro em leis que garantem ao público o acesso e o direito da livre reutilização e remix dos materiais digitais disponibilizados com objetivos educacionais, pedagógicos e afins, no âmbito da rede pública municipal de ensino. Os deputados paulistas aprovaram no fim de 2012 uma lei similar que garantia REA no Estado de São Paulo, entretanto, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) apesar de argumentar a favor de REA, vetou a lei sob argumento de vício de iniciativa e que é sua prerrogativa apresentar este tipo de projeto.

Sobre o alto custo dos livros no Brasil, o Gpopai (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação) realizou um estudo em 2008 sobre o mercado de livros técnicos e científicos no Brasil, veja aqui.

Fontes:

Durbin, Franken Introduce Legislation to Help Make College Textbooks More Affordable

SPARC Applauds Senators Durbin and Franken for Bill to Make College Textbooks More Affordable

Estados Unidos: lei de acesso à pesquisa financiada pelo governo é apresentada

Deputados americanos apresentaram em fevereiro passado, legislação para aumentar a abertura, transparência e acessibilidade dos resultados de pesquisa científica com financiamento público.


A Fair Access to Science and Technology Research Act (FASTR) exige que as agências federais com orçamentos anuais de pesquisa na ordem de US$ 100 milhões ou mais, devem oferecer ao público o acesso online para pesquisas decorrentes da investigação financiada pelo governo no prazo de seis meses após a publicação.

Na opinião do deputado Mike Doyle, este projeto vai dar ao povo americano maior acesso aos resultados de pesquisas científicas que foram pagas pelos contribuintes, e ainda, uma maior colaboração entre os pesquisadores poderá acelerar a inovação científica.

Para o deputado Zoe Lofgren, a lei beneficia a comunidade científica que pode colaborar e compartilhar resultados impulsionando descobertas futuras e os contribuintes não deveriam ser obrigados a pagar duas vezes pela pesquisa financiada pelo governo federal.

Alguns pontos da lei:

  • Exigir de departamentos e agências federais, com um orçamento anual de pesquisa de US$ 100 milhões ou mais, se financiado total ou parcialmente por um departamento ou agência governamental, a apresentar uma cópia eletrônica do artigo final que foi aceito para publicação.
  • O artigo deve estar em um repositório digital mantido por essa agência ou em outro repositório adequado que permita o acesso público gratuito, interoperabilidade e preservação a longo prazo.
  • Exigir que cada artigo financiado pelo contribuinte seja disponibilizado online e sem custo para o público, no prazo máximo de seis meses após publicação.
  • Exigir das agências a verificação de opções de licenciamento aberto para trabalhos de pesquisa que disponibiliza ao público, como resultado da política de acesso público, iria promover a reutilização produtiva e análise computacional dos trabalhos de pesquisa.

Leia mais aqui.

Fórum Direitos Autorais na Era Digital

Um debate sobre os direitos de criar e consumir no mundo digital


De um lado, a importância da preservação dos direitos dos autores sobre as suas obras e de outro a garantia do interesse público sobre as obras que compõem o patrimônio intelectual do País. A discussão sobre as transformações significativas pela qual o direito autoral passa e que estão associadas, principalmente, à tecnologia digital e as redes de informação ganhou força nos últimos meses.

Após as eleições municipais deste ano começará a ser discutido, pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e a mídia acompanha o debate, que atinge um novo patamar nas esferas jurídica, econômica e cultural.

Neste cenário será realizado o Fórum Direitos Autorais na Era Digital, que reúne autores, juristas e jornalistas para debater o papel dos produtores de conteúdo na era digital e os novos rumos da distribuição de informações.

Este encontro levanta temas como:

• O novo papel do autor na sociedade
• O futuro da distribuição e venda de conteúdo digital online
• Aplicação de leis tradicionais vs. direito comum: o que se aplica à nova realidade dos meios digitais?
• Novos processos criativos: como o acesso à obra intelectual pode ser benéfica aos autores?
• Casos de abuso na proteção à obra e na liberação do seu acesso.
• Rumos do conceito de direito autoral e liberdade de acesso: existe sistema sustentável que garanta tanto o reconhecimento e o incentivo ao autor como o justo acesso às suas obras?

Programação

Data: 31 de outubro de 2012

Horário: das 9h00 às 17h30
Local: Museu Nacional do Conjunto Cultural da República – auditório 02 – Setor Cultural Sul, Lote 02, Esplanada dos Ministérios, Brasília – DF

Faça sua inscrição aqui.

Compartilhar livro é direito

Texto de Pablo Ortellado – GPOPAI/USP

O fechamento do site Livros de Humanas, que indexava versões digitais de livros de humanidades para compartilhamento entre usuários, tem causado surpresa, indignação e controvérsia. Criado e mantido por estudantes universitários que não tinham meios econômicos para comprar livros, o site foi fechado após a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (que representa várias grandes editoras) ajuizar uma ação demandando a retirada dos livros e o pagamento de multa por supostos danos. Disputa judicial à parte, surpreendi-me com o fato de muitos colegas da comunidade acadêmica não estarem suficientemente esclarecidos sobre a profunda injustiça desta ação e não terem ainda notado a admirável coragem do jovem mantenedor do site em defender o seu projeto sob o risco de um grande ônus econômico.

Por isso, gostaria de listar, muito brevemente alguns fatos relevantes para se entender em toda a sua complexidade os conflitos entre o direito público de acesso às obras e o direito patrimonial de editoras e autores. Esses fatos foram levantados em diversos estudos realizados nos últimos anos pelo grupo de pesquisa que coordeno, o GPoPAI – Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação:

Os estudantes não têm meios econômicos para comprar os livros. A afirmação é trivial e de fácil comprovação empírica. Qualquer estudante pode somar os preços de livros de leitura obrigatória das bibliografias de curso de todas as disciplinas no decorrer de um ano. Em pesquisa mais sistemática que realizamos em 2008, o custo em 10 diferentes cursos da minha unidade na USP variava entre R$ 3.344,75 e R$ 5.810,46. Para mais de 70% dos estudantes, esse valor era superior à renda mensal de toda a família.

As bibliotecas não têm os meios econômicos para comprar os livros. Como os estudantes não têm nem remotamente os meios para comprar os livros necessários, poder-se-ia esperar que as bibliotecas o fizessem. Tomemos o exemplo acima, da minha unidade, apenas para fins de argumentação. Para simplificar o cálculo, podemos estimar um custo médio de aquisição anual de livros por aluno de 5 mil reais no varejo, ou de cerca de 3 mil reais no atacado (já que estamos falando de compras de grande escala). Supondo que os alunos pudessem comprar 30% dos livros, a aquisição dos 70% restante custaria à unidade 8,4 milhões de reais. Como nosso orçamento anual para a compra de livros é de cerca de 300 mil reais, a aquisição apenas dos livros de leitura obrigatória da graduação tomaria 28 longos anos de orçamento inteiramente dedicado – sem qualquer compra de livros de literatura complementar, de pesquisa ou de pós-graduação. Não preciso dizer que muito antes do final dos 28 anos, a literatura estaria completamente obsoleta.

Um terço da base bibliográfica está esgotada. Levantamento em 36 instituições e 6 diferentes áreas do conhecimento que fizemos na pesquisa de 2008, assim como levantamentos posteriores que realizamos em diferentes bibliotecas da USP mostram recorrente e homogeneamente, em todas as áreas do conhecimento, que de 25 a 35% dos livros requeridos pelas disciplinas estão esgotados – e, portanto, não podem ser adquiridos no mercado. Como não podem ser comprados, esses livros só podem ser utilizados se fazemos deles cópias reprográficas ou digitais.

A educação é um direito. O capítulo sobre limitações da nossa lei de direito autoral (9.610/1998) já prevê casos nos quais é permitido o uso de obras sem autorização e sem o pagamento de royalties para fins de interesse público. Os casos ali citados (art. 46) podem ser estendidos por analogia a outros, já que uma decisão recente do STJ considerou-os apenas exemplificativos. Além disso, o direito à educação (e os livros são meios essenciais para a educação) é um direito constitucional (art. 6).

A repressão às fotocópias e ao compartilhamento é predominantemente extrajudicial. Como um estudo recente coordenado pela Universidade de Columbia mostrou, o combate à pirataria nas “economias emergentes” é predominantemente extrajudicial. Esse combate consiste no fechamento das inciativas “piratas” e no confisco de materiais sem que o mérito das acusações de violação de direito autoral seja julgado no judiciário. Como há enorme desproporção de recursos entre a indústria do direito autoral e os acusados, toda a questão é resolvida com a atividade repressiva e/ou com a ameaça de judicialização (que os pequenos não conseguem enfrentar). Isso permite que os detentores de direito imponham sua visão sobre o direito autoral, frequentemente de maneira abusiva, sem que o público ou os supostos “piratas” tenham condições de defesa. É exatamente essa situação assimétrica que o mantenedor do site está corajosa e pioneiramente enfrentando.

Os livros científicos de humanas são financiados predominantemente com recursos públicos. O mercado de livros científicos de humanidades é financiado com recursos públicos de pelo menos quatro maneiras: 1) como nosso estudo de 2008 mostrou, 86% dos autores brasileiros dos livros adotados por cursos científicos de humanidades trabalhavam em regime de dedicação integral à pesquisa e docência quando a primeira edição do livro foi lançada, de maneira que o livro é um subproduto de uma atividade financiada exclusivamente com recursos públicos; 2) além do salário dos autores, os custos da pesquisa (laboratórios, bolsistas etc) que gerou o livro também são predominantemente públicos, já que o Brasil tem um padrão de financiamento público de pesquisa que oscila em torno de 90% dos recursos; 3) o setor livreiro tem imunidade tributária, cujos custos para o tesouro foram estimados em cerca de um bilhão de reais anuais; 4) cerca de 10% do mercado de livros técnico-científicos é de editoras públicas, principalmente universitárias. Isso significa que os custos de produção dos livros já foram pagos pelo público. No entanto, na interpretação da ABDR, este público deveria agora ser obrigado a comprar novamente aquilo que ele já pagou para produzir.

Os autores de livros não têm um interesse econômico relevante. Isso deveria ser autoevidente, mas nem sempre é. No levantamento que fizemos com um dos departamentos de humanidades melhor avaliado pela CAPES, estimamos em 100 reais o pagamento mensal de royalties dos autores pelos livros lançados durante o ano. No entanto, com exceção de um, todos os autores receberam apenas cópias dos livros, ao invés dos royalties. Se isso acontece no topo da pirâmide de prestígio acadêmico, os valores recebidos por autores da base da pirâmide tende a ser ainda mais irrelevante.

Se os estudantes precisam dos livros para assegurar seu direito constitucional à educação; se eles não têm os meios econômicos para comprá-los; se um terço dos livros está esgotado; se os livros são financiados majoritariamente com recursos públicos; se os autores não recebem royalties ou se os royalties são irrelevantes; se a ABDR é intransigente e usa do poder econômico para impor uma visão repressiva, unilateral e injusta do direito autoral – não seria o caso de apoiarmos o site Livros de Humanas e começarmos uma campanha contra os abusos da ABDR?

Fonte: GPOPAI

Pesquisa mostra falta de acesso a livros, mas mercado editorial endurece repressão

Reportagem que saiu no Link – Estadão (17/06/2012) sobre a pesquisa do Idec e a repressão contra o site Livro de Humanas.


Em média, um estudante de Direito da USP precisa trabalhar quatro meses para comprar toda a bibliografia exigida no curso. Mesmo que trabalhe, ele não conseguirá acesso a tudo por vias legais – uma parcela dos livros está esgotada. Os números, que saíram numa pesquisa divulgada neste mês pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), foram divulgados no mesmo período em que um estudante de Letras, da mesma universidade, responde a um processo por manter um site que compartilhava obras acadêmicas.

“De um lado temos o direito autoral, que garante exclusividade pelas editoras, e do outro o direito à educação, cultura, informação. Se no ambiente universitário, que é o centro de produção de conhecimento, nós não conseguimos ter esse direito, que dirá em outras esferas da educação?”, questiona Guilherme Varella, advogado do Idec.

A pesquisa é a continuação de um estudo realizado em 2008 em 13 universidades. Desta vez, foram analisadas apenas os cursos de Engenharia, Direito e Medicina na USP e PUC-SP, mas os resultados foram parecidos. O estudo também mostra que as bibliotecas são deficitárias. No caso da USP, por exemplo, a biblioteca tem 83% dos livros exigidos na bibliografia – mas, em alguns casos, com um ou dois exemplares. Na PUC a média é de 1,2 livro por aluno, abaixo dos padrões internacionais.

“A pesquisa evidenciou um cenário de déficit de livros que demanda que os estudantes se movimentem”, diz Varella. Foi o que fez em 2009 um estudante de Letras. Por causa do alto preço das xerox, ele criou um site para que os alunos disponibilizassem cópias digitais dos textos usados no curso. O site se espalhou pela área de humanas e, antes de ser fechado, tinha cerca de 2,3 mil livros. Havia vários títulos esgotados, raros ou que nunca foram lançados no País.

O blog Livros de Humanas já havia sido suspenso no ano passado pelo WordPress. Voltou pouco depois com domínio próprio, até que seu dono foi notificado. Movida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), a ação inicialmente pedia a remoção de dois livros das editoras Forense e Contexto. O juiz não só acatou, como ordenou o que pediu a associação a seguir: o fechamento do site. Processado, o estudante não dá entrevistas por recomendação de seu advogado.

“Essa ação nada mais é do que mais uma das várias da ABDR”, disse em entrevista por telefone ao Link Dalizio Barros, advogado da entidade. “Há várias ações que visam coibir a violação de direito autoral de maneira danosa para as editoras em larga escala. Foi uma ação rotineira”, diz, além de estimar que de 2011 para cá foram cerca de 30 ações do tipo.Para a ABDR, o Livros de Humanas “era um site como outro qualquer” – a repercussão foi grande, acredita Barros, por causa “das redes sociais”.

Ele explica que a entidade mantém o site Pasta do Professor para substituir as pastas físicas com xerox e os textos enviados por e-mail. O professor indica o trecho do livro e os alunos pagam para imprimir a cópia. “Você não pode pedir para uma editora liberar o PDF, porque ela precisa de lucro para sobreviver”, explica.

A atitude da ABDR provocou críticas. Intelectuais e professores manifestaram repúdio em uma carta aberta. “A meu ver, as editoras que apostarem em tendências monopolistas arriscam-se a ficar para trás na competição, especialmente quando o que está em questão é o novo consumidor que se formou já no mundo da internet”, acredita o escritor e co-autor da carta Eduardo Sterzi, que disponibilizou online seu livro mais recente, Aleijão, em apoio ao site.

O escritor não vê problemas em ter suas obras circulando online. “Tenho uma biblioteca razoavelmente boa, mas, muitas vezes, mesmo que eu já tenha lido um texto e esteja com o exemplar em mãos, é mais fácil encontrar um trecho de que preciso no Google ou em algum PDF baixado da internet. Além disso, já soube de vários leitores que foram atrás dos meus livros depois de terem lido textos meus em alguma publicação eletrônica”.

“O direito autoral é interpretado restritivamente. Só encontraria uma solução de fato se a gente revisse a legislação atual”, diz Varella. Segundo o Idec, a única coisa que mudou em relação à 2008 foi o aumento no número de ações repressivas das editoras. “Temos mudanças em vista, mas o que vale é a lei atual”, diz o advogado da ABDR. E a lei, segundo ele, diz que um texto só pode ser divulgado com autorização expressa e por escrito.

Os autores da carta dizem que o público que baixa é o mesmo que compra livros. Eduardo Sterzi reforça ao dizer que considera a oposição “comprar contra baixar” lhe parece falsa. “A verdadeira alternativa é entre comprar ou baixar versus não ler”.

Livros, leitura e acesso na cultura digital

*Artigo de Bianca Santana e Priscila Gonsales publicado no Estadão em 04/06/2012.

Nem mesmo a desoladora média de 2,1 livros lidos por ano pelos brasileiros ou o fato de 75% da população do País nunca ter frequentado uma biblioteca chamam tanto a atenção na edição 2012 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (*1) como os resultados em relação aos livros digitais.

Pela primeira vez, o estudo traz um panorama sobre o hábito de leitura de livros digitais. Um olhar pouco cuidadoso poderia apenas destacar que 46% dos entrevistados disseram que nunca ouviram falar de livros digitais (ou e-books, como enfatiza o questionário) e, consequentemente, proclamar que esse novo suporte para o livro, ou melhor, essa nova possibilidade de leitura, está ainda muito distante da realidade.

No entanto, uma análise qualitativa sobre os resultados vai trazer à tona algo que está nas entrelinhas. Se considerarmos o grupo que afirmou já ter lido livros digitais, vamos observar que 54% dos entrevistados disseram que gostaram muito da experiência, 40% gostaram pouco e 6% responderam que não gostaram.

Esse resultado é altamente positivo apesar de vir de um pequeno percentual (18%) que afirmou ter tido contato com o livro digital. Isso imediatamente nos instiga a pensar que existe sim um interesse e uma recepção até calorosa por parte de quem já experimentou. Quem não conhece, quer conhecer (25% ) e quem já usou, gostou e quer mais (34% vão ler mais livros digitais a partir de agora). Não seria esse público o que o mercado publicitário chama de early adopter (*2)?

Outro aspecto que merece uma reflexão mais aprofundada neste contexto é o conceito e de “livro digital”. Segundo a própria pesquisa:  “Ao falar de livros, estamos falando de livros tradicionais, livros digitais/eletrônicos, áudio livros, digitais-daisy, livros em braile e apostilas escolares. Estamos excluindo manuais, catálogos, folhetos, revistas, gibis e jornais”.

Trazer uma definição geral para “livro” é um avanço importante em relação às pesquisas de anos anteriores, no entanto, a mesma conduta poderia ter sido adotada para buscar definir o que se entende por livros digitais e/ou eletrônicos. Quando se fala em livro digital, o que mais vem à mente são os dispositivos eletrônicos de suporte à leitura, os chamados “e-readers” (*3). Um livro ou um jornal em um leitor eletrônico, como o Kindle (*4), por exemplo, retoma a ideia de um produto fechado, como o impresso, com uma temporalidade também delimitada como a edição mais recente ou, no caso do jornal, a edição do dia.

A maioria dos e-readers oferece navegação semelhante ao manuseio do papel, remete quase à mesma sensação de ler um livro ou um jornal impresso. No entanto, é fundamental refletir sobre o conceito de livro digital que devemos considerar no contexto da cultura digital em que estamos. Seria meramente uma reprodução do livro em papel? Um arquivo eletrônico PDF? Uma animação multimídia cheia de cliques?

As possibilidades de leitura propiciadas por computadores, tablets, celulares e outros dispositivos extrapolam o que chamamos de livro. Como uma mídia de convergência de infinitas tecnologias e linguagens, a internet permite que textos, imagens, tabelas, infográficos, vídeos, games e diversos aplicativos multimídia possam ser simultaneamente acionados para contar uma história, seja ela ficcional ou informativa, linear ou descontínua.

Arte Fora do Museu (*5), por exemplo, é um projeto digital sobre as obras de arte que estão nas ruas de São Paulo. Ele reúne informações em textos e fotografias, que poderiam estar em um livro, mas foram publicados online, agregando vídeos e georreferenciamento das obras. É pouco provável que alguém defina o Arte Fora do Museu como um livro digital ou um e-book. Mas muitos dos que navegaram por aquelas páginas leram tanto quanto fariam em um e-book sobre o mesmo tema. Além disso, o conteúdo de um projeto como este está distribuído pela rede, no YouTube, no Facebook, no Flickr, fazendo com que as informações sejam acessadas de muitas maneiras, fragmentadas, e que se alguém tiver interesse em se aprofundar no assunto, possa sempre ser levado à fonte original.

Os e-books e os PDF de impressos não aproveitam uma importante possibilidade trazida pelo digital: o hipertexto. O termo hipertexto, cunhado por Ted Holm Nelson nos anos 1960, significa, nas palavras de Sergio Amadeu da Silveira “uma escrita não sequencial, um texto que se bifurca e que permite ao leitor escolher o que deseja ler. São blocos de textos, conectados entre si por nexos que formam diferentes itinerários para os usuários”. O hipertexto coloca a possibilidade de os indivíduos aprofundarem conhecimento nos temas que os interessem de maneira livre e autônoma. Nesse sentido, as possibilidades abertas pela digitalização de conteúdos são potencializadas pela expansão do acesso à internet.

Antes, a veiculação da informação e do conhecimento estava vinculada a suportes materiais: livros, discos, CDs, apostilas, enciclopédias. Para disseminar informações era preciso ter acesso a esses recursos materiais, caracterizando um modelo de comunicação “de um para muitos”. A internet deu a todos o poder de criar, moldar e disseminar informações com a ponta dos dedos, abrindo a possibilidade de uma comunicação “de muitos para muitos”. O modo como produzimos e consumimos informação atualmente é muito diferente do que era no curto espaço de tempo de 20 anos atrás.Continue reading

REA na Declaração final de Educação do Fórum Social Mundial

Uma declaração produzida por organizações ligadas à educação, movimentos sociais e estudantis, entre outros grupos participantes do Fórum Social Mundial deste ano envolveu pelo menos dois pontos totalmente relacionados a REA. O Fórum ocorreu em fevereiro em Dacar, capital senegalesa.

O trecho em que aparecem as referências aos recursos educacionais abertos é o que convoca educadores e profissionais envolvidos com educação a “convidar as redes mundiais a oferecer acesso aos materiais educativos produzidos entre seus membros” e a “utilizar e expandir o software livre, a garantia de banda larga como direito fundamental das pessoas e o acesso livre ao conhecimento”.

Para ler toda a declaração, acesse http://fundacionses.blogspot.com/2011/02/declaracion-final-de-la-asamblea-de.html.