Fórum sobre políticas públicas de REA acontece em Paris

A Unesco e a organização intergovernamental Commonwealth of Learning (COL) promoveram um fórum em Paris, no dia 1º de dezembro, com o objetivo de avaliar as políticas públicas vigentes na área e debater sugestões para suas próximas etapas.

Partindo do princípio de que o uso de recursos educacionais abertos pode direcionar melhor os investimentos em educação e aumentar seus impactos, foram apresentadas e discutidas formas de aplicação dessa ideia, além de ressaltada a relevância do uso de REA em países em desenvolvimento, o que pode contribuir para a melhoria da qualidade do ensino. Ainda entre os principais objetivos do evento, estava a reunião de propostas para que a própria Unesco e a COL possam articular ações em conjunto com instituições que tratem de temas relacionados, como as licenças abertas.

A mestre em política pública pela Universidade da Califórnia e diretora do Programa de Educação da William and Flora Hewllet Foundation, Barbara Chow, fez uma apresentação sobre como os governos podem apoiar os recursos educacionais abertos. Entre os pontos levantados, destacaram-se o incentivo ao desenvolvimento de projetos, à formação de infraestrutura para aprimorar o acesso dos estudantes e à pesquisa e publicação de trabalhos sobre educação, a disponibilização de material livre online e a exigência de licenças abertas no conteúdo controlado pelo próprio governo.

Esta última medida foi reafirmada pelo presidente da COL, John Daniel, que acrescentou que isso deve ser feito não apenas com material educacional, mas com todo e qualquer conteúdo que propicie a aquisição de conhecimento. Ele ainda sugeriu que a Unesco se responsabilize por uma campanha mundial de abertura de licenças nas publicações, dando o suporte necessário para as instituições interessadas em participar.

As apresentacões feitas no fórum estão disponíveis aqui.

Unesco promove II Encontro Internacional Virtual sobre REA e Software Livre

Um encontro online para a divulgação e a troca de experiências relacionadas a Recursos Educacionais Abertos acontece desde o dia 8 de dezembro de 2010 e segue até 24 de janeiro de 2011. A iniciativa partiu da cátedra da Unesco de Gestão e Docência Universitária do Centro de Estudos para o Aperfeiçoamento da Educação Superior da Universidade de Havana (CEPES – UH), em Cuba, e tem o apoio de universidades espanholas, francesas e de comunidades de incentivo ao software livre.

As inscrições, feitas pelo portal da Universidade Virtual de Salud, em Cuba, outra apoiadora do encontro, aceitaram interessados em participar dos debates e também educadores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação com o intuito de apresentar trabalhos acerca dos temas. Os grupos de discussão foram divididos de acordo com cada assunto, sendo que o de REA aborda desde a conceituação do termo até o desenvolvimento da ideia pelo mundo, os desafios, a relação intrínseca com o software livre e mostra alguns casos.

Para se inscrever como participante ainda dá tempo e não é necessário pagar. Acesse http://aulauvs.sld.cu/course/category.php?id=50 e cadastre-se.

Acesso Aberto no Brasil e no Mundo

USP discute acesso aberto, mas Brasil ainda está em desvantagem se comparado ao que tem acontecido no resto do mundo e nas melhores universidades de países desenvolvidos.


Acesso aberto no mundo

Hoje, já existem 187 mandados (politicas institucionais) de acesso aberto pelo mundo que variam desde mandados departamentais, a institucionais a mandados vinculados a financiamentos privados ou públicos para pesquisa. Tal estimativa é apresentada pelos projetos “Possibilitando a Academia Aberta” (tradução livre de EOS – Enabling Open Scholarship) e “Livro Fonte da Informação sobre o Acesso Aberto na Academia” (tradução livre de OASIS – Open Access Scholarly Information Sourcebook).



A partir de 2011 esse gráfico pode ser gerado automaticamente no novo site do EPrints’ ROARMAP, local no qual todos podem registrar suas politicas de acesso aberto (antes listadas aqui: http://www.eprints.org/openaccess/policysignup/).
Outro interessante gráfico mostra o sucesso da semana de acesso aberto, comemorada em outubro de 2010, durante a qual 16 novas políticas foram adotadas ao redor do mundo. Como demonstra o gráfico abaixo.


Acesso Aberto no Brasil

O Brasil, entretanto, não aparece em nenhum desses gráficos apesar de termos uma grande base de artigos científicos e teses abertas ou disponíveis ao publico de forma gratuita. Isso se deve ao fato de que o tema “acesso aberto” pouco é conhecido por aqui e que, realmente, não existem mandatos ou politicas resolvendo a questão.

Poucas são as universidades de fato debatendo a implementação de um mandato especifico. Os exemplos mais conhecidos são a USP, com a atual campanha Acesso Aberto e a UnB. A UnB, além das iniciativas internas, e em parceria com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), participa da capacitação de equipes de outras universidades e instituições para criação e manutenção dos sistemas.

Na prática, entretanto, o Scielo aparece como um dos exemplos de maior sucesso na área de acesso aberto por ter todas as publicações hospedadas por seu site distribuídas sob uma licença Creative Commons atribuição (a mais liberal da cesta de licenças do Creative Commons). Mas acreditamos que poucas pessoas sabem desse detalhe. Sob essa licença os usuários das publicações encontradas por meio do Scielo podem imprimir, xerocar e produzir obras derivadas (como traduções ), e até mesmo utilizar tais obras para fins comerciais, desde que respeitem os direitos morais dos autores de citação da fonte e do nome do autor (direitos de atribuição). Este é um grande avanço para o acesso ao conhecimento e progresso cientifico brasileiro como garantido pela Constituição Brasileira.

Sobre o caso das teses e publicações

As teses e as dissertações representam os resultados materiais essenciais do ensino e da pesquisa em instituições de ensino superior. O Brasil elaborou uma série de políticas e medidas de financiamento para garantir o acesso gratuito a esses resultados de pesquisa.

Por exemplo, em dezembro de 2002, o IBICT, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, lançou a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) através da criação de grupos de trabalho e de uma rede formada por universidades federais e estaduais. A missão da BDTD é disponibilizar a produção acadêmica nacional em âmbito nacional e internacional. A BDTD adotou a tecnologia da Iniciativa de Arquivos Abertos (Open Archives Initiative – OAI) e os padrões internacionais de interoperabilidade, tais como a Biblioteca Digital em Rede de Teses e Dissertações (Networked Digital Library of Theses and Dissertations – NDLTD), a fim de garantir a interoperabilidade das informações brasileiras com os catálogos internacionais e as ferramentas de busca como Oaister, Scirus e Base, dentre outros.

Em fevereiro de 2006, a CAPES, a agência federal brasileira de apoio a programas de pós-graduação, vinculada ao Ministério da Educação, publicou a Portaria CAPES nº 13, a qual decreta a todas as instituições (públicas ou privadas) que ofereçam programas de mestrado e doutorado que tornem as teses de seus alunos acessíveis através da publicação dessas na Internet. A Portaria decreta que a publicação será feita por meio de um repositório institucional ou através de um repositório nacional, e todas as teses e dissertações publicadas posteriormente a março de 2006 devem estar disponíveis on-line no prazo de um ano.

A linguagem utilizada no decreto, estabelecido no artigo 5º da resolução, é digna de nota e pode servir de modelo básico para outras políticas em torno do Acesso Livre e do REA:


O financiamento de trabalho com verba pública, sob forma de bolsa de estudo ou auxílio de qualquer natureza concedido ao Programa, induz à obrigação do mestre ou doutor apresentá-lo à sociedade que custeou a realização, aplicando-se a ele as disposições desta Portaria.


Desta forma, existem atualmente no Brasil dois agregadores principais de teses eletrônicas: o IBICT, por meio da Biblioteca Digital Brasileira e o Portal Domínio Público. Até dezembro de 2010, 137591 foram depositadas no repositório do IBICT.

É importante observar que muitas universidades também mantêm seus próprios repositórios ao mesmo tempo em que enviam informações e arquivos digitais tanto para o IBICT como para o Portal Domínio Público.

No campo legislativo, uma lei especifica foi proposta em 2007 (PL 1120/2007) e exige que as instituições públicas de ensino superior depositem todo o conteúdo da produção técnico-científica de alunos e professores em repositórios. A lei estabelece que o IBICT deve liderar uma Comissão que será responsável pelo desenvolvimento de uma política nacional de acesso à informação, especificamente o acesso à pesquisa acadêmico-científico produzida em instituições públicas no Brasil. O projeto também unifica, no âmbito do IBICT, a publicação de informações relativas ao acesso aos repositórios institucionais.

Esse projeto recebeu forte apoio popular e existe uma petição online em seu suporte.

O projeto de lei permite duas exceções. Para o caso de publicações que tiveram seus direitos previamente atribuídos ou licenciados, os metadados de publicação devem estar arquivados e acessíveis por meio do repositório institucional. O mesmo raciocínio é aplicado às publicações que fazem parte de pesquisas que visam a um pedido de patente.

Entretanto uma crítica deve ser feita a tal projeto, pois enquanto o objetivo principal dessa legislação parece ser fornecer acesso “aberto” à produção científica nacional, o projeto de lei não define o termo “aberto” então pode gerar certa confusão entre o significado “aberto” como “sem custo”/”aberto ao publico” ou “aberto” como licenciado por uma licença livre, como as do Creative Commons. Essa confusão acontece frequentemente em relação ao termo “free” em inglês, e pode ser transplantada para o português, caso a legislação não seja clara o suficiente. Esperamos que, caso essa lei seja aprovada, essa definição seja incorporada na lei ou em seu regulamento.

OLnet abre inscrições para bolsas de estudo na Open University, no Reino Unido

Interessados em desenvolvimento de projetos de pesquisa em REA – ou na participação de algum já em andamento na Open University, no Reino Unido – podem se inscrever no processo seletivo da OLnet até dia 14 de fevereiro de 2011. As bolsas duram em média três meses, sendo o primeiro com pesquisas feitas no campus Walton Hall e os dois seguintes com possibilidades mais flexíveis.

A ideia não é somente incentivar as pesquisas e a divulgação do tema no mundo, mas também fortalecer a rede de colaboradores e colocá-los em contato entre si e com os experts do assunto, possibilitando a criação de novas diretrizes.

Serão 18 beneficiados pelas bolsas e os candidatos devem ser afiliados a alguma instituição acadêmica ou organização educacional.
Além de mais informações, no site você pode ler testemunhos de pessoas que já participaram de outros programas de bolsa de estudo na Open University. Acesse http://olnet.org/fellowships#head1.

Parceria entre MEC e Unicamp gera projeto de recursos educacionais abertos online

Quase 400 áudios, vídeos, softwares e experimentos de matemática estão disponíveis em um repositório da empresa Mais Educacional para quem quiser usar, e de graça. A produção dos recursos é resultado de um projeto que começou em 2008, financiado pelo MEC por meio de um edital lançado um ano antes, e foi levado adiante pelos professores Leonardo Barichello e Rita Santos Guimarães, prestadores de serviço da Unicamp. O público-alvo dos recursos do repositório são estudantes de Ensino Médio.

Leonardo e Rita resolveram, depois, abrir a Mais Educacional, empresa que presta serviços educacionais e ministra cursos e oficinas (inclusive online) para a formação continuada de professores. Algumas das oficinas, inclusive, utilizam os próprios recursos produzidos pelo projeto Matemática Multimídia (que faz parte de uma iniciativa maior liderada pelo MEC para oferecer recursos educacionais digitais no Portal do Professor) e exploram o uso de novas tecnologias na escola, campo ainda visto com receios por parte de alguns professores. O próprio Leonardo aponta as dificuldades que apareceram durante o desenvolvimento do material: “Na esfera educacional, os maiores desafios do projeto foram as mídias de áudio, pela falta de referências e experiências concretas, e o software, pela dificuldade em definir um caminho dentre tantas possibilidades oferecidas pela mídia. No roteiro dos vídeos, contamos com a contribuição da Sarah Yakhni, experiente inclusive em trabalhos de caráter educacional, o que facilitou muito as coisas”. Não é possível que qualquer pessoa publique conteúdo no repositório da Mais, mas  quem participa dos cursos e oficinas pode fazer isso ao final do processo.

Os recursos são diretamente relacionados a conteúdos específicos da disciplina, o que facilita a vida do professor no momento da definição dos objetos a serem explorados, mas não deixam de permitir a interdisciplinaridade. Um exemplo dado pelo próprio Leonardo é o vídeo “A Carta”, que trata de criptografia e traz dados técnicos a respeito, mas não deixa de contextualizar historicamente o seu surgimento e a sua utilização.

Os materiais criados pelo projeto Matemática Multimídia estão disponíveis em licenças abertas do Creative Commons. Entretanto, por exigência do MEC, os recursos educacionais financiados por eles estão licenciados da forma mais restritiva do Creative Commons: a chamada “atribuição-não comercial-compartilhe sob a mesma licença”, ou CC-BY-NC-SA.

A opção por uma licença aberta faz com que tais materiais sejam considerados recursos educacionais abertos em sua definição ampla, mas pode gerar barreiras futuras em relação à interoperabilidade legal dos mesmos, e até limitar a adoção de tais materiais por usuários. Isso porque uma licença CC que contenha a cláusula “compartilhe sob a mesma licença” determina a forma de  compartilhamento dos usuários daquele material e a cadeia de produção de materiais derivados. O software base desse projeto está licenciado por meio de uma licença GPL.

Vale ainda observar que um repositório foi construído com o uso da plataforma mediawiki, e que nele foram incluídos outros materiais não desenvolvidos pela Mais Educacional. Tais materiais (como os do CDME, da Universidade Federal Fluminense), têm suas próprias licenças abertas, detalhadas de acordo com cada autor.

“Todas as instituições que tenham interesse em usar e ajudar na divulgação deste material, por favor, entre em contato conosco, pois é de nosso interesse que esse material chegue até os professores de todo o Brasil, especialmente os da rede pública”, pede Leonardo.

Assista a um vídeo produzido pelo projeto Matemática Multimídia.

Para saber mais sobre cursos e oficinas da Mais Educacional, acesse http://www.mais.mat.br/.

Conferência Connexions em fevereiro de 2011 nos EUA

Usuários de recursos educacionais abertos, autores, editores, professores ou simplesmente interessados em conhecer melhor e participar da comunidade internacional dos Recursos Educacionais Abertos se reunirão no dia 9 de fevereiro de 2011 em Houston, Texas, para uma conferência organizada pelo pessoal do Connexions (para quem não se lembra, eles têm uma plataforma de publicação de conteúdo educacional aberto e ofereceram uma oficina de uso dela no II Fórum da Cultura Digital Brasileira, realizado em novembro deste ano).

É o terceiro ano da conferência, que vai mostrar um pouco do trabalho da organização em escolas públicas e universidades, explorar as possibilidades do software de código aberto Enterprise Rhaptos, usado pelo Connexions, e que permite que instituições utilizem a plataforma de acordo com o que desejam e a disponibilizem em seus sites. Também serão discutidos o envolvimento do governo com as iniciativas de REA e propostas para a continuação do trabalho e o crescimento da rede de colaboradores e beneficiários.

Mais de 2 mil pessoas usam o Connexions, sendo que cerca de 2 milhões, em 200 países do mundo, acessam o conteúdo de quem publica material usando a plataforma. O Brasil ocupa a 18a posição entre os países que mais utilizam a plataforma (11a se forem considerados apenas os que têm como idioma oficial qualquer um que não seja o inglês). O português do Brasil, no entanto, é o oitavo idioma mais popular no CNX e o conteúdo publicado em português brasileiro já recebeu mais de 150 mil acessos.

Esses números devem crescer quando novos planos do CNX para o Brasil estiverem consolidados. “Queremos criar um projeto para que uma grande quantidade de conteúdo seja publicada em português, e estamos trabalhando também na internacionalização da ferramenta, para que ela possa ser acessada na língua de cada país”, afirma Daniel Williamson, do CNX.

Durante a conferência, serão apresentados projetos REA do mundo todo em workshops. Veja a agenda aqui.

Inscrições e mais informações: http://conference.cnx.org/

Transformando a Wikipedia em livro

A PediaPress é uma ferramenta que permite a publição e impressão, sob demanda (printing on demand), de livros elaborados com artigos remixados da Wikipedia. Essa ferramenta permite que os “wiki books” tenham até 800 páginas em preto e branco ou coloridas e capas também customizadas, tudo escolhido pelo autor do remix. Todos os artigos publicados com a extensão especial indicada pela PediaPress podem virar livro. É um jeito legal de estender a produção colaborativa da wikipedia para além da tela do computador – o que pode ajudar tanto quem ainda não tem acesso à Internet, quanto os que ainda preferem ler e fazer pesquisas no papel.

Os resultados têm sido um bom exemplo para esse novo mercado que se abre aos interessados em publicar conteúdo aberto: em 2009, a PediaPress atendeu a pedidos em 53 países (incluindo o Brasil). Os livros custam a partir de 11 dólares e é possível ver um preview do resultado antes de fechar o pedido e comprar títulos já montados por outros editores, que estão no catálogo do site.

A PediaPress tem uma parceria com a Wikimedia Foundation e a Commonwealth of Learning, e uma parte dos lucros é direcionada à causa da primeira. Outra parte dessa parceria engloba o desenvolvimento de software de código aberto da ferramenta, que a PediaPress disponibiliza aqui.

 

Por que materiais didáticos devem ser acessíveis a todas as pessoas?

O governo acaba de negociar 880 milhões 263 mil 266 reais e 15 centavos para a compra de livros didáticos. O PNLD – Programa Nacional do Livro Didático – é o maior programa de compra de livros do mundo e devemos nos orgulhar disso. Mas o que precisamos mudar – e com urgência – é o que compramos. Não, não estou falando que os livros são ruins. Estou falando que precisamos comprar o conteúdo dos livros, em vez de zilhares de páginas impressas. O que compramos hoje são exemplares físicos de livros. Com o recurso recém negociado, compraremos 135,6 milhões de exemplares de livros. Mas o conteúdo continua sendo de propriedade das grandes editoras ou dos autores dos livros. Isso significa que uma professora do interior do Pará não pode aprimorar as poucas linhas dedicadas a seu estado no livro de Geografia, porque todos os direitos – de alterar, distribuir, traduzir ou reproduzir o que ela recebeu do governo – continuam não sendo dela, nem do governo, nem meu, nem seu. O símbolo do copyright que vem estampado nos livros comprados com dinheiro público impede que o livro seja adaptados a diferentes realidades locais e que alguém que não esteja matriculado na escola tenha acesso ao que foi pago por todos.

Qual a ideia então? Que os materiais educacionais pagos com dinheiro público pertençam ao público. E pros que ficam preocupados com as finanças das editoras, as cifras indicam que não há motivo pra isso: nesta compra, a Editora Moderna vai receber R$ 161.366.197,83 , a Editora FTD R$162.933.319,18 e a Editora Ática R$148.288.428,80. Está tudo muito bem pago! Pra quem duvida ou quer mais argumentos, recomendo ver a apresentação “Acesso ao Livro Didático e ao Livro Técnico Científico no Brasil” e a leitura do relatório “O mercado de livros técnicos e científicos no Brasil” , produzidos pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP (Gpopai). Mas alerto para o risco de você se tornar ativista pelo conhecimento livre. Os dados científicos são convincentes…

Com a expansão das tecnologias digitais, o conteúdo educacional pago por todos nós pode estar disponível a qualquer pessoa que tenha acesso à Internet em casa, no trabalho, em telecentros ou em lan houses. E acho que ninguém duvida do potencial transformador do acesso ao conhecimento.

E os materiais educacionais não se limitam aos livros. Temos softwares, planos de aulas, artigos, filmes, músicas. E diversos especialistas recomendam a utilização de recursos variados nas salas de aula. O problema é que hoje tal prática é ilegal. As professoras e professores brasileiros que – sem intuito de lucro algum, com o único objetivo de ensinar – reproduzem filmes ou músicas protegidos pelo copyright nas salas de aula estão cometendo crimes. A atual lei do direito autoral não permite exibição pública sem autorização, mesmo para fins educacionais, de material audiovisual.

Esta lei, apesar de ser chamada de Lei dos Direitos Autorais, defende a preservação de um modelo de negócio em detrimento do acesso ao conhecimento e da proteção justa do esforço criativo do autor. Ela defende os interesses da indústria do copyright, que retoma constantemente o mito da originalidade, ignorando que a humanidade gera conhecimento a partir do que já foi criado por outras pessoas. A produção acadêmica, por exemplo, pressupõe a construção de conhecimento com base no que outros construíram. Uma obra de arte – seja ela um texto, um vídeo, uma imagem, uma escultura, um som, um movimento – é criada com base numa herança comum, no que outros criaram. O professor de direito da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Lawrence Lessig, mostra no livro “Cultura Livre: como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade”, de 2005, como a própria indústria do copyright se baseia em produções anteriores. Walt Disney criou o Mickey Mouse, em 1928, a partir de um personagem do filme mudo “Steamboat Bill”, do cineasta Buster Keaton. Branca de Neve, Cinderela e tantas outras personagens de seus desenhos animados são derivadas dos contos registrados pelos irmãos Grimm, já em domínio público.

A atual Lei de Direitos Autorais Brasileira (nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998) é das mais restritivas do mundo. Segundo a Consumers International IP Watch List, pesquisa global que classifica as leis nacionais de copyright em relação à promoção do acesso ao conhecimento, o Brasil tem a 4ª pior legislação do mundo. Pela lei brasileira, em nenhuma situação é permitido fazer cópia integral de uma obra sem autorização prévia e expressa do detentor de direitos autorais. Isso significa que mesmo o autor de uma obra, ao publicar um livro por uma editora e reservar a ela todos os direitos, não poderá copiar ou distribuir seu livro sem a autorização da empresa.

A boa notícia é que esta lei está em processo de modificação. De 14 de junho a 31 de agosto deste ano, o Ministério da Cultura Brasileiro promoveu uma consulta pública à nova Lei de Direito Autoral e foram registradas no período 8.431 manifestações sobre o projeto – de apoio, rejeição ou propostas de nova redação. Diversas entidades ligadas à educação – como a Ação Educativa, o Instituo Paulo Freire e o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária ) – elaboraram uma série de propostas de alteração da lei para incentivar o compartilhamento de materiais educacionais. Precisamos agora acompanhar a sistematização que o Ministério da Cultura fará do projeto e trabalhar para que o Congresso seja favorável à expansão do acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, aprovando uma nova lei que esteja a serviço da maior parte das pessoas.

Para inspirar nossos parlamentares, vale lembrar que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos coloca a necessidade de equilíbrio entre o direito à cultura e o direito de autor. O artigo XXVII, define como direitos universais, relacionados, que: (1) toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios; e que (2) toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. É hora de equilibrar!

Experiências de politica pública para REA

Esta semana, dois eventos muito interessantes aconteceram nos EUA e foram transmitidos em forma de “webinar”.

O primeiro – “How to drive college costs down and quality up in TX and CA: Emerging textbooks solutions” – aconteceu na terça-feira, dia 16 de novembro, e focou soluções para a diminuição de preço de livros didáticos, ao mesmo passo em que a qualidade é mantida e aprimorada. Experiências dos estados da Califórnia e do Texas, nos EUA, foram discutidas, assim como novos modelos de negócio na área de publicação de livros didáticos e técnico-científicos. Foram palestrantes o Senador Dean Florez pela Califórnia, Dr. Charles Cook – vice-chanceler dos colégios comunitários de Houston, Texas, Eric Frank, president da Flat World Knowledge e Denins Passovoy, da Universidade de Texas em Austin.

Os temas discutidos foram a disparada de preços de livros universitários e didáticos, o impacto desses custos para estudantes, professores, instituições e governo; os esforços atuais na Califórnia e no Texas para a incorporação do livro didático aberto e de recursos educacionais abertos; os esforços de treinamento de professores no uso e elaboração de recursos educacionais abertos; e a possibilidade de redução de custos estudantis em quase 80 porcento, enquanto aumenta a qualidade, a acessibilidade e a inovação na educação. O seminário completo pode ser visto e ouvido aqui (em inglês). Outros webinars promovidos pela Flat World Knowldge podem ser vistos aqui.

Um dos exemplos de sucesso apresentados, e derivado da preocupação em relação aos altos custos de livros didáticos (nos EUA os preços de livros didáticos triplicaram na ultima década) e a necessidade de garantir o acesso dos estudantes a livros, foi a da Faculdade Comunitária de Cerrito (para uma versão mais completa, ver pagina 8 desta revista), que, desde 2008 adota livros didáticos abertos. Mas o beneficio não e somente a diminuição de custos para estudantes, mas também os benefícios para professores. Os livros, em suas versões digitais e online, funcionam como uma plataforma de trabalho que dá liberdade e controle sobre o conteúdo para o professor, aumentando a sua eficiência e motivação.

O segundo seminário – promovido pelo Open Couseware Consortium – aconteceu na quinta-feira, dia 18 de novembro, e contou com a apresentação de Reuven Carlyle, deputado estadual do estado de Washington, também nos EUA.

Naquele estado foi feita uma pesquisa de custos de livros diáaticos utilizados em 82% dos cursos com maior numero de estudantes (200.000 estudantes no total). Nesse sentido, cursos como o de história, biologia, matemática, entre outros foram abarcados na pesquisa. Deste estudo e outros complementares sobre a utilização de tecnologia para aprimorar a eficiência do aprendizado, gerou-se o “Plano Estratégico de Tecnologia” para aquele estado.

Esse plano liderou a mudança das compras públicas daquele estado de conteúdo proprietário para conteúdo aberto, garantindo ao estado e aos estudantes grandes economias. Para o Deputado Carlyle, a situação gerada foi de “win-win-win”, ou seja, alunos, professores e o os cidadãos que pagam impostos ganham. Para o estudante o ganho é claro: redução de custos relativos à sua educação, para os professores o ganho é relativo à ampliação de possibilidades de materiais, aprendizado e compartilhamento de técnicas de ensino, e para o contribuinte o ganho é a eficiência dos impostos, que acabam por ser investidos em um bem aberto a todos.

Nesse sentido o deputado apresentou uma iniciativa de investimento em recursos educacionais abertos e livros didáticos abertos que terá um custo de 750 mil dólares e gerará economias para aquele estado na faixa de 41 milhões de dólares. [1][2]

Adicionalmente, foi aprovada uma regulamentação naquele estado que determina que todo e qualquer financiamento pelo governo no desenvolvimento de recursos educacionais deve resultar em recursos educacionais licenciados abertamente à sociedade. Na concepção e justificação dessa regulação, o direito de acesso ao conhecimento por meio de recursos educacionais é considerado um direito básico daquela população. Parte da política que compreende o acesso ao conhecimento como uma questão de justiça social.

ReaCamp

O melhor registro do ReaCamp, sem dúvidas, foi feito pela Mila Tonarelli, em tempo real, no PiratePad. A Mila, aliás, propôs uma dinâmica interessante pro encontro: cada um dizer, em poucas palavras, as ideias REA que gostaria de ver acontecendo. Isso permitiu que todas as pessoas tivessem seu momento de fala garantido, sem impedir a troca – com acordos, dúvidas e saudáveis embates.

ReaCamp no Fórum da Cultura Digital 2010

Estavam presentes professores – com uma visão bem pragmática do que são REA no chão da escola; editores – com preocupações comerciais e logísticas; pesquisadores – com um viés mais investigativo e comparativo dos temas; gestores de diferentes projetos e pessoas que se encaixavam em mais de um perfil. Os temas abarcaram desde a necessidade de produçao massiva de conteúdo em língua portuguesa (e como tornar isso viável) , passando por um tira-dúvidas bem prático sobre como licenciar materiais de educandos, até como a cultura digital pode estar em toda a produçao de conhecimentos na escola, e não só nos recursos e conteúdos.

As quase quatro horas de encontro foram bastante intensas e levantaram questões interessantes para continuarmos a debates. Elenco algumas delas abaixo e peço aos que estavam lá que me ajudem a completar:

– Como pensar REA além de uma concepção conteudista da educação?

– Como expandir REA para fora da escola? Para experiências educativas que não sejam formatadoras e – segundo alguns – falidas, como a escola?

– Como criar massa crítica para saber que materiais traduzir, publicar?

– Como trabalhar a expressividade de alunos na produçao de conteúdos em diferentes linguagens?

– Como fomentar que as universidades produzam material didático livre?

– Como estimular que educadores e educandos sejam autores, reconhecidos como tal?

– Como fomentar a cultura de colaboração e compartilhamento nas escolas?

– Como as universidades e as escolas podem se engajar na produção de conteúdo em língua portuguesa?

– Seria mais efetivo estimular que indivíduos ou grupos produzam REA? Ambos? Como?

– Como engajar professores e estudantes em produzir conteúdo relevante em vez de se dedicarem a atividades “educativas” sem sentido?